Ficha Limpa ajuda, mas está longe de resolver problemas

Cuidado com possíveis frustrações. É o que alertam cientistas políticos sobre os possíveis efeitos da Ficha Limpa. Combate à corrupção exige outras mudanças

Quase tudo é festa quando se pensa as vantagens de um serviço público lotado de “fichas limpas”. Mas, confetes à parte, especialista recomendam cautela, a fim de evitar que o País compre uma idéia que, na prática, pode não ter o efeito desejado.

“Quem assegura a qualidade (técnica e moral) daqueles que entrarão no lugar dos ‘ficha suja’?”...
Essa é uma das ponderações do cientista político e professor da Universidade Federal do Ceará Valmir Lopes, crítico da proposta.

Para ele, a corrupção tem forte enraizamento no sistema político brasileiro e, dessa forma, a simples eliminação dos “fichas sujas” de cargos públicos não implica, necessariamente, a moralização do poder. Seria como trocar os atores de um sistema que, na origem, já está contaminado.

A hipótese faz sentido – basta lembrar o que aconteceu com a Lei das Licitações. Criada em 1993 para coibir abusos e ampliar a transparência nos contratos entre empresas e governos, a Lei acabou abrindo brechas para casos de fraude. Trocando em miúdos, a corrupção apenas mudou de lugar.

Lopes lança ainda outra indagação: “Será que nós temos uma reserva tão grande assim de quadros pra assumir essas funções no setor público? Com uma lei desse tipo, a tendência poderá ser o preenchimento dos cargos com funcionários de carreira. Isso pode gerar o enrijecimento da máquina pública, por exemplo,”.

Há temor de que, para evitar o risco de levar o carimbo de “ficha suja” – e, assim, tornarem-se inelegíveis – alguns políticos passem a recusar convites para cargos públicos.

Para o especialista – que embora questione a Ficha Limpa, considera “coerente” estendê-la às administrações públicas, após a decisão do Supremo Tribunal Federal – o Brasil deveria discutir o tema com base em estudos fundamentados sobre as possíveis conseqüências da aplicação. (Hébely Rebouças)

Saiba mais
As regras que estão sendo discutidas para o serviço público já valerão para as eleições de outubro próximo. Ou seja, só poderão candidatar-se políticos ficha limpa.

Fruto de iniciativa popular, a lei complementar 135/2010 mobilizou entidades ligadas ao combate à corrupção. Chegou a recolher cerca de 1,3 milhões de assinaturas.

Aprovada pelo Congresso Nacional em maio de 2010, a lei teve seu primeiro teste de fogo naquele ano, quando o Supremo Tribunal Federal começou a analisá-la.

Finalmente, em fevereiro de 2012, o Supremo considerou a Lei da Ficha Limpa constitucional e determinou que a mesma fosse aplicada nas eleições deste ano.

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