Faltando menos de dois meses para o início oficial das eleições 2012, prefeitos de todo o País correm contra o tempo. Com a aproximação do término do prazo para a aparição em eventos de inaugurações, os pré-candidatos à reeleição ou engajados na campanha de seus sucessores apressam a entrega de obras que, muitas vezes, ainda estão longe da conclusão.
Levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), com base em dados de 1995 a 2011, demonstra que as eleições têm impacto direto no investimento público feito por prefeituras e governos estaduais e federal.
A pesquisa, divulgada em dezembro do ano passado, verificou um aumento expressivo nos gastos públicos em anos pares, em que há eleições; nos anos subsequentes, por sua vez, há forte contenção das despesas.
Assim, influenciados pelas eleições municipais, estaduais e federais, os municípios brasileiros apresentam um ciclo bienal de expansão e contingenciamento de gastos.
Especialistas defendem que a concentração das obras públicas no último ano dos mandatos de chefes do Executivo está diretamente relacionada a interesses eleitorais. Trata-se de uma estratégia comum para garantir uma boa imagem ao término dos mandatos. "Geralmente, o primeiro ano é o ano de tapar buraco das contas; o segundo ano é o ano do crescimento, do começo da visibilidade; o terceiro é o ano da maturidade do conceito de administração; e o quarto ano, o último, é o ano do pico, quando o candidato deve estar no auge de sua visibilidade e do seu prestígio".
Apesar de citar fatores como burocracia e falta de planejamento, acreditamos que esta realidade é causada principalmente pelo que se chama de um "defeito" no atual sistema político brasileiro, que permite a reeleição de chefes do Executivo sem a necessidade de desincompatibilização. "Como a gente permite a reeleição dos candidatos a chefe do Executivo ocupando o cargo, ele (candidato à reeleição) acaba se utilizando de duas prerrogativas que deveriam ser paradoxais: a prerrogativa do candidato e a do governante. Obviamente que, quando ele tem uma obra para inaugurar, ao mesmo tempo em que está entregando como governante, está, de certa forma, entregando como candidato também".
Em 2012, o fenômeno deve se repetir: segundo a legislação eleitoral, os candidatos só podem aparecer em eventos de inaugurações até o dia 7 de julho. Após essa data, se participarem, poderão ter o registro de candidatura cassado. Deve-se ressaltar que a apresentação de obras públicas tem um destaque ainda maior em eleições municipais. "A política municipalista leva muito em consideração o que se chama de micropolítica, a política das pequenas coisas. Ou seja, em vez de apresentar propostas mirabolantes sobre educação, sobre segurança pública, de maneira geral, o candidato precisa atender mais às demandas específicas dos bairros".
Dessa forma, prefeitos em campanha por reeleição levam vantagem em relação a seus oponentes, por poder dar provas concretas de suas realizações. "Sem dúvida nenhuma que essas obras trarão visibilidade aos candidatos, particularmente aos prefeitos que se submetem à reeleição. É o acesso mais rápido aos meios de transporte, serviço de qualidade na área dos estabelecimentos hospitalares, hospitais, maternidades, alimento mais barato, a própria segurança do bairro, trânsito, esses aspectos do dia a dia que de certa forma contribuem para aquilo que eu chamo de PNBF - produto nacional bruto da felicidade".
Obras inacabadas
Para não correrem o risco de ver suas principais realizações serem creditadas a seus sucessores, muitos políticos preferem "inaugurar" obras antes mesmo de sua conclusão. Nessas situações, o político corre o risco de o evento ter o efeito contrário ao desejado. "Muita gente inaugura obra que não está terminada. Isso é um perigo, porque quando a população percebe isso, pode virar um bumerangue, pode se voltar contra o próprio administrador, na medida em que as pessoas podem concluir que ele está tirando proveito demais da situação".
Mais grave que as perdas políticas, entretanto, são os prejuízos causados aos cofres públicos. "Você pode ter dois tipos de prejuízo: primeiro, você corre o risco de perder todo o investimento, e, segundo, você vai estar entregando à população algo que, de certa forma, além de não ser objeto de uso adequado, pode ser que tenha de ser inteiramente refeito depois".
Não faltam exemplos recentes de projetos que foram lançados inacabados. No dia 7 de maio, o prefeito de Porto Alegre (RS), José Fortunati (PDT), que disputará a reeleição em outubro, entregou à população o primeiro trecho da ciclovia na avenida Ipiranga. Com direito a "pedalada inaugural" de Fortunati, o evento gerou críticas de associações de ciclistas, que não viram motivo para inaugurar um trecho de 416 m da via - apenas 4,4% dos 9,4 km previstos no projeto.
O Rio de Janeiro tem um caso emblemático: a Cidade das Artes, antiga Cidade da Música, inaugurada no fim de 2008 pelo então prefeito, Cesar Maia (DEM), e que até hoje não foi concluída.
Inicialmente orçada em R$ 80 milhões, a obra sofreu diversos atrasos e deve consumir mais de R$ 600 milhões até a sua conclusão, prevista para ocorrer no segundo semestre deste ano.
Apresentado à população carioca cinco dias antes do término do último mandato de Maia, o espaço cultural localizado na Barra da Tijuca foi alvo de auditorias do Tribunal de Contas do Município por suspeitas de superfaturamento. Com a inauguração oficial antes do término das obras, os certificados de garantia dos equipamentos da instalação cultural passaram a valer, ao mesmo tempo em que cadeiras estofadas começaram a mofar, e escadas rolantes, a enferrujar, aumentando os custos de manutenção do prédio.
Uma das principais obras viárias do governo de Marta Suplicy (PT) à frente da prefeitura de São Paulo, a construção dos túneis Max Feffer e Jornalista Fernando Vieira de Mello sob a avenida Faria Lima também foi apressada. Inaugurados em setembro de 2004, 45 dias antes do previsto e em meio à campanha contra o tucano José Serra, os túneis foram abertos à circulação de automóveis antes da conclusão das passagens de pedestres. Menos de três meses após a inauguração, o túnel Jornalista Fernando Vieira de Mello foi inundado durante o primeiro temporal do verão. Avaliação da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb) constatou que o problema foi provocado por defeitos nas bocas-de-lobo de um trecho da avenida Rebouças, agravados pelo acúmulo de entulho proveniente das obras inacabadas do túnel.