Crônica da morte anunciada do PSDB


“Os tucanos chegam a esta eleição jogando toda a sua sobrevivência em São Paulo, com o grave risco de, se perderem, ter decretada sua desaparição política”

Faltando doze dias para o 2º turno das eleições para a prefeitura de Sampa, e somente após críticas massivas pela omissão, o tucano José Serra avec correligionários (leia-se comparsas) lançou esta semana, numa livraria da cidade, seu programa de governo. Segundo editorial da Carta Maior, o evento foi na verdade uma espécie de “programa de lazer tucano”, uma encenação de seriedade para ser filmada e tapar buraco na propaganda eleitoral.

A contrapelo das pesquisas e do elevado teor de hipocrisia de um candidato que, após criticar a cartilha anti-homofóbica idealizada pelo MEC, foi obrigado a admitir que, em 2009, quando governador de SP, distribuiu material idêntico na rede estadual – ambos produzidos pela mesma ONG, a Ecos – Serra exerceu sua especialidade: a simulação.

A propósito do exercício supostamente democrático de “discutir a cidade com os cidadãos”, suas propostas mal-ajambradas – afetando um falso rigor técnico e ocultando metas, custos, recursos e a probabilidade de cumpri-las – se resumem a apenas um item, assim descrito pela insuspeita UOL: “Em um dos poucos momentos em que dedicou sua fala às suas propostas, Serra lembrou a promessa de construir 30 AMAs (Assistência Médica Ambulatorial). ‘Mas não a ponto de detalhar onde vamos fazer’ (ressalvou). ‘Isso seria impossível (sic). Mas tem o compromisso”(????????).

Planejamento incrível! Um compromisso exemplar com o eleitor!

A propósito e quase na mesma pauta, ressalto aqui o artigo dessa semana de Emir Sader, “Os tucanos do começo ao fim”, plenamente sintonizado com o que vem repisando esta colunista há séculos. Observa Emir que “os tucanos nasceram de forma contingente na política brasileira, apontaram para um potencial forte, tiveram sucesso por via que não se esperava, decaíram com grande rapidez e agora chegam a seu final”.

Mas ele mata a cobra e mostra o pau, prosseguindo com sua retrospectiva política ao relatar que os tucanos nasceram de setores descontentes do PMDB, sobretudo de Sampa, sob o domínio de Orestes Quércia (de triste memória), tentaram a eleição de Antonio Ermírio de Morais, em 1986, pelo PTB, mas Quércia os derrotou. Daí articularam-se para sair do PMDB e formar um novo partido que, apesar de contar com Franco Montoro, um democrata–cristão histórico, optou pela sigla da social- democracia e escolheu o símbolo do tucano para dar-lhe um toque de brasilidade, isto é, made in Brazil.

Assim como os macacos, as araras, as cobras, abacaxis e bananas devidamente incorporados ao nosso Inconsciente Colonial e a nunca por demais esquecida Carmem Miranda: yes, nós temos tudo isso.

O grupo, essencialmente paulista, foi incorporando alguns dirigentes nacionais como Tasso Jereissati, Álvaro Dias, Artur Virgilio, entre outros. Mas o núcleo central sempre foi paulista – Mario Covas, Franco Montoro, FHC. A candidatura de Covas à presidência foi sua primeira aparição pública nacional. Oculto atrás do perfil de candidatos como Collor, Lula, Brizola, Ulysses Guimarães, Covas tentou encontrar seu nicho com um lema que já apontava para o que definiria os tucanos – “Por um choque de capitalismo”.

A propósito de choques, não deixar de ler A doutrina do choque – a ascensão do capitalismo de desastre, de Naomi Klein, Rio, Nova Fronteira, 2008. Esgota o assunto e elucida de uma vez por todas a doutrina e a prática política do tucanato.

O segundo capítulo da sua definição ideológica inscreveu-se a partir do namoro com o governo Collor, concretizando a entrada de alguns tucanos no governo – Celso Lafer, Sergio Paulo Rouanet: revelava-se a fascinação que a “modernização neoliberal” exercia sobre os tucanos. O veto de Covas impediu que os tucanos fizessem o segundo movimento, isto é, o ingresso formal no governo Collor – o que os teria feito naufragar com o impeachment e talvez tivesse fechado seu caminho posterior para a presidência, via FHC.

Mas o modelo que definitivamente eles seguiram veio da Europa: da conversão ideológica e política dos socialistas franceses de Mitterrand e do governo de Felipe Gonzalez na Espanha. Como corrente ideológica, esta social-democracia (que já não era mais social e muito menos democracia) optava pela adesão ao neoliberalismo, lançado inicialmente pela direita tradicional européia até ser abraçado pelas elites latino-americanas. Aliás, na AL ocorreu um fenômeno similar: introduzido por Pinochet sob ditadura militar, o modelo foi recebendo adesões de correntes originariamente nacionalistas – o MNR da Bolívia, o PRI do México, o peronismo da Argentina – e de correntes social democratas – o Partido Socialista do Chile, a Ação Democrática da Venezuela, o Apra do Peru, o PSDB do Brasil.

Na década de 90, como outros governantes de correntes neoliberais – a exemplo de Menem (Argentina), Carlos Andres Peres (Venezuela), Ricardo Lagos (Chile), Salinas de Gortari (México) – no Brasil, os tucanos puderam chegar à presidência, porquanto a América Latina se transformava na região do mundo com governos neoliberais em suas modalidades mais truculentas.

O programa do FHC foi apenas uma triste adaptação ancilar do mesmo programa ao qual o FMI engessou todos os países da periferia em geral, e a América Latina em particular. Ao adotá-lo, FHC reciclava definitivamente seu partido a ocupar o lugar no centro do bloco de direita no Brasil, uma vez que os partidos de origem na ditadura – PFL, PP – tinham se esgotado. Quando Collor foi derrubado,  Roberto Marinho disse que a direita não voltaria jamais a eleger um candidato seu, dando a entender que teriam que buscar alguém fora de suas fileiras – o que ocorreu com FHC.

A princípio, sua gestão teve o mesmo “sucesso espetacular” que os demais governos neoliberais da América Latina no primeiro mandato: privatizações, corte de recursos públicos, desregulamentações, abertura acelerada do mercado interno,  flexibilização laboral. Contava com 3/5 do Congresso e com o apoio em coro da mídia. Também como outros governos, mudou a Constituição para ter um segundo mandato. E da mesma forma que outros, conseguiu se reeleger já com dificuldades,  porque seu governo havia mergulhado a economia numa profunda e prolongada recessão.

Negociou de novo com o FMI, foi se desgastando cada vez mais, uma vez que a estabilidade monetária não levou à retomada do crescimento econômico, nem à melhoria da situação da massa da população e acabou banido, sem apoio, vendo seu candidato derrotado.

Sader sentencia: “Aí os tucanos já tinham vivido e desperdiçado seu momento de glória. Estavam condenados a derrotas e à decadência. Se apegaram a São Paulo, seu núcleo original, de onde fizeram oposição, muito menos como partido – debilitado e sem filiados – e mais como apêndice pautado e conduzido pela mídia privada.

Derrotado três vezes sucessivas para a presidência, perdendo cada vez mais espaços nos estados, o PSDB chega a esta eleição aferrado à prefeitura de São Paulo, onde as brigas internas levaram à eleição dum aliado com péssimo desempenho.”

No caso, o nunca por demais rejeitadíssimo Kassab (meus sais!). Assim, os tucanos chegam a esta eleição jogando toda a sua sobrevivência em São Paulo, com o grave risco de, se perderem, ter decretada sua desaparição política. Até porque ninguém acredita em Aécio como candidato com possibilidades reais à presidência. E Alckmin, ainda menos.

Concluo, repetindo, mais uma vez, o meu “delenda Cartago”: PSDB, requiescat in pace.


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