MPF faz denúncia contra coronel Carlos Ustra por sequestro


Segundo a ação, corretor teria ficado preso ilegalmente de 1971 a 1973.
Defesa do coronel da reserva e ex-chefe do Doi-Codi nega participação.



Em imagem de arquivo, coronel Ustra durante período no qual era responsável pelo Doi-Codi (Foto: Reprodução/TV Globo)Em imagem de arquivo, coronel Ustra durante
período no qual era responsável pelo Doi-Codi
(Foto: Reprodução/TV Globo)
O Ministério Público Federal (MPF) protocolou à Justiça Federal de São Paulo uma denúncia contra o o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra nesta quarta-feira (17). De acordo com o MPF, o coronel seria o responsável, ao lado do delegado aposentado Alcides Singillo e do delegado Carlos Alberto Augusto, ambos da Polícia Civil, pelo sequestro do corretor de valores Edgar de Aquino Duarte, em junho de 1971. Se processados e condenados, denunciados poderão receber penas de 2 a 8 anos de prisão.
Ustra foi o chefe do Doi-Codi, órgão de repressão política durante o regime militar, de 29 de setembro de 1970 e 23 de janeiro de 1974. Procurada pelo G1, a defesa de Ustra disse que sua posição é "idêntica aos casos anteriores". "Ele nega que tenha participado de qualquer ato de abuso de direito a essas pessoas", disse o advogado Paulo Alves Esteves. Segundo ele, o acusado sustenta que tudo o que tinha que explicar está dito na obra que escreveu, na qual que conta toda sua vida.
Na ação, o MPF indica que o corretor teria ficado preso ilegalmente "mediante sequestro
cometido no contexto de um ataque estatal sistemático e generalizado contra a população, tendo eles [os denunciados] pleno conhecimento das circunstâncias desse ataque". A vítima teria ficado, até meados de 1973, presa nas dependências do Destacamento de Operações Internas do II Exército (Doi-Codi) e depois no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops-SP), quando desapareceu.
Histórico
O fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte foi expulso das Forças Armadas logo após o golpe militar de 1964, acusado de oposição ao regime. Exilou-se no México e em Cuba, e voltou ao Brasil em 1968, quando passou a morar em São Paulo com o falso nome de Ivan Marques Lemos, e trabalhar como corretor da Bolsa de Valores. De acordo com o MPF, depoimentos assegurariam que ele não teria "envolvimento com qualquer tipo de resistência".
Duarte teria sido levado após se encontrar com um antigo colega da Marinha, José Anselmo dos Santos, o “Cabo Anselmo”, detido nove dias antes pelo delegado Carlos Alberto Augusto. Segundo a ação, o "sequestro da vítima foi testemunhado por dezenas de dissidentes políticos que se encontravam presos nas dependências do DOI-CODI-II Exército e do
DEOPS/SP."
Casos anteriores
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já havia negado, no dia 14 de agosto, recurso protocolado pelos advogados de Ustra e manteve decisão que aponta o ex-militar como responsável por  torturas ocorridas durante a ditadura militar. A decisão, da 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, confirma o teor de uma sentença anterior, que foi considerada inédita: em outubro de 2008, o juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23ª Vara Cível central, julgou procedente o pedido dos autores de uma "ação declaratória" que buscava que a Justiça apontasse Ustra como responsável por crimes de tortura.
Na ocasião, o juiz reconheceu que César Augusto Teles, Maria Amélia de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida, autores da ação, foram mesmo torturados. Na ação, os autores buscavam mostrar que havia “relação jurídica de responsabilidade civil, nascida de pratica de ato ilícito, gerador de danos morais”.
Logo após a decisão de outubro, o advogado de Ustra, Paulo Alves Esteves, entrou com recurso, com o objetivo de reformular a sentença. A decisão contrária ao pedido foi tomada por desembargadores do TJ-SP.
Ainda em 2006, quando um dos processos começou a ser julgado, Amélia já afirmava que a família não buscava indenização do Estado ou prisão. "É uma ação de efeito político, que vai trazer reconhecimento de que um coronel do Exército, na época major, era torturador", explicou Amélia na ocasião.
Comissão da Verdade
Esteves disse ao G1 que vai pedir um esclarecimento a respeito da decisão, que afrontaria a legislação especial que rege a Comissão da Verdade, criada para investigar e apontar casos de violências cometidas por agentes do estado no período do regime militar.
Segundo ele, como se trata de uma legislação especial, é a Comissão da Verdade que teria a incumbência de apontar se Ustra foi responsável ou não pelos atos de tortura, mesmo com sentença anterior. Independentemente disso, ele afirmou que irá recorrer da decisão.

Na visão da Justiça paulista, a ação declaratório foi aceita porque ela não é limitada pela Lei da Anistia. O ação foi analisada em um juizado cível, que trata da responsabilidade sobre atos e direito sobre bens. Na interpretação da Justiça, a Lei da Anistia impede apenas que ela seja julgada em um juizado criminal, que apura responsabilidade sobre crimes.
Ustra foi o chefe do Doi-Codi, órgão de repressão política durante o regime militar, de 29 de setembro de 1970 e 23 de janeiro de 1974. Em 1972, Maria Teles, o marido dela, Cesar Teles, e a irmã Crimeia foram presos e torturados no Doi-Codi. Os filhos do casal, Janaina de Almeida Teles e Edson Luis de Almeida Teles, à época, também ficaram em poder dos militares
De acordo com a sentença de 2008, ao ser apontado como o responsável pelas torturas, o “réu arcará com custas, despesas processuais e honorários dos advogados dos autores, fixados estes em R$ 10 mil.”
O juiz apontou em sua sentença que “a investigação, a acusação, o julgamento e a punição, mesmo quando o investigado ou acusado se entusiasme com ideias aparentemente conflitantes com os princípios subjacentes à promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, devem sempre seguir a lei. O agente do Estado não deve torturar, pois qualquer autorização nesse sentido só pode ser clandestina ou meramente ilegal”.
Ao recorrer da decisão, a defesa de Ustra, o advogado Paulo Alves Esteves, alegou, entre outras coisas, a prescrição dos crimes, a falta de sustentação legal para a acusação, incompetência por parte da Justiça Estadual para julgar a ação e que o seu cliente sofreu cerceamento de defesa.
O relator da apelação, desembargador Rui Cascaldi, argumentou que o Estado tem a obrigação de garantir a segurança e integridade física dos autores da ação e elogiou ainda a sentença de 1ª instância, considerando que as ações meramente declaratórias não prescrevem jamais. Também participaram do julgamento do recurso os desembargadores Carlos Augusto De Santi Ribeiro (revisor) e Hamilton Elliot Akel (3º juiz). G1
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