O declínio do PT e a ascensão de nova hegemonia de poder


Por: Fernando Cartaxo de Arruda
Sociólogo/Colunista do Blog Junior Pentecoste

As feridas andam abertas nessa fase pós-eleitoral. O calor das urnas ainda não baixou a poeira emotiva da disputa acirrada e de um jogo virado nos últimos momentos. A temperatura é de uma disputa onde não se quer perceber o apito final. A partida terminou e os jogadores que perderam ainda tão querendo colocar a bola em campo.

Querer apontar um único fator como motivação para a vitória do Roberto Cláudio do PSB, unido em amplo arco de alianças partidárias, é no mínimo arriscado e precipitado. A postura do Elmano em não reconhecer a derrota simboliza gosto de amargura com os tropeços da campanha e minimiza os 47% de votos obtidos. Uma atitude que tem dividido o PT e não alcança eco nem na mídia e nem nos meios de comunicação. O abuso do poder econômico é ingrediente inerente ao atual modelo político-eleitoral. E permanecerá até a plena Reforma Política.
Esse é um item intrigante da agenda política, nunca encarada com firmeza e a determinaçãoDaí ser uma matéria que fica boiando e no faz-de-conta, sem entrar pra valer na pauta de votação. Não há consenso para tramitação no Congresso Nacional. Os grandes partidos não têm interesse em mudar a regra do jogo, pois os principais beneficiários do financiamento privado das campanhas são os próprios detentores dos poderes.

É provável que tenha ocorrido excessos e crimes eleitorais. Envolvendo muitos partidos e coligações, em dosagens diferenciadas, conforme o poder de persuasão junto aos empresários e financiadores, além do peso das estruturas das máquinas administrativas. Não só no Ceará, mas em todo o país. Essa é uma mazela do nosso modelo eleitoral arcaico, por permitir mesclar os interesses públicos e privados num balaio só.

A ala do PT mais identificada com a corrente da prefeita Luizianne Lins tem anunciado que vai questionar o resultado das urnas, por vício de corrupção. Não creio ser esse tipo de conduta o melhor caminho a ser trilhado. Até mesmo porque foi expressiva a diferença dos votos, mais de 70 mil. Embora seja significativa a diferença de votos na chamada grande aldeota, o reduto das elites e das classes médias abastadas, não foi está razão exclusiva para a vitória. O mapa eleitoral demonstra que o PSB teve melhor desempenho também na esmagadora maioria dos bairros periféricos, onde vivem as classes sociais desfavorecidas e a pobreza. Esse divisor social entre pobres e ricos, portanto, não foi a matriz que possa explicar o êxito eleitoral. O discurso maniqueísta não funcionou e foi um dos erros para a derrota do PT. E claro, a luta solitária que foi determinante na definição do segundo turno.

Portanto, a questão que tem que ser colocada é de outra natureza. O PT perdeu, mas obteve uma votação expressiva. Foi eleito para ser oposição. E sabemos que o PT é formado por um conjunto de tendências e grupos. Ninguém de bom senso se arrisca em crer na capacidade do PT se unificar em torno de um posicionamento de oposição. A participação de três deputados estaduais do PT no governo Cid Gomes, durante a contenda eleitoral, sinalizava que o PT vai se dividir entre uma ala oposicionista e outra pragmática. A banda municipal, mais afinada com Luizianne Lins, deve rumar para fazer oposição ao governo Roberto Cláudio; enquanto a ala estadual e federal, em sua maioria, deverá preservar a aliança política com o governador Cid Gomes.

Argumentos não faltam para ambos os lados. O projeto nacional será sempre lembrado para tornar possível a aliança regional. Os olhos já postos no horizonte indefinido das eleições de 2014. E caso o PSB siga a estratégia de apoiar a reeleição de Dilma Rousseff, como tem indicado Cid Gomes, deixando para 2018 a tentativa de disputar a Presidência da República, o tempo se encarregará de levar ao ostracismo o grupo político da Luizianne Lins. Por outro lado, é razoável o argumento de que o PT respeite a vontade das urnas e se assuma como partido de oposição ao projeto que combateu com veemência durante toda a campanha eleitoral. Será estranho que depois de tantos desgastes, acusações e diferenças políticas e programáticas, tudo seja esquecido. E como simples brincadeira de poder, os partidos que se atacavam em plena luz do sol, se amem já no anoitecer. O segmento de oposição do PT ao PSB só sobreviverá, se chegar lá, na eventualidade dos socialistas romperem com o PT em 2014 e se lançarem na disputa presidencial.

Apesar das possibilidades de cenários diferenciados, os pragmáticos irão buscar argumentos para manter os acordos políticos e espaços de poder junto ao novo domínio político que o PSB passa a exercer no Ceará. É possível que os petistas mais afoitos já comecem a articular a desestruturação do comando partidário das mãos de Luizianne Lins e seu grupo da Democracia Socialista. E assim se encontre um atalho para apaziguar os caminhos para manutenção confortável do pacto político e da conciliação nos projetos de poder no âmbito nacional. E isso,
necessariamente, passa por destronar da direção partidária a sua
liderança maior, a Luizianne, além de jogar ao mar o capital político obtido com a campanha do Elmano. A autofagia é uma parábola real nas hostes do PT. Em termos de cogitação, tudo que for pensado, por mais surrealista que possa ser o desenho, não é irracional. O mais improvável é que o PT sai unido para oposição. O gosto e proximidade do poder fizeram muitos quadros desaprender o jeito de fazer oposição. Dificilmente largaram dos cargos e benefícios do poder, pois sabem apreciar as facilidades da vida e já identificaram o combustível para a sobrevivência política no plano individual e diante da conjuntura nacional.

A velocidade dessa mudança é que não está posta e evidente. O PT
viverá a crise da derrota do poder e se desgastará numa guerra
intestina entre oposicionistas e pragmáticos. O efeito imediato é que não havendo unidade no posicionamento de oposição, o partido tende a se enfraquecer em termos de projeto político de poder na esfera estadual. Nessas circunstâncias, os segmentos oposicionistas tendem a perder a legitimidade do discurso e da identidade partidária. A ambivalência de participar do governo estadual e querer exerce oposição no âmbito municipal é algo insustentável. Até mesmo porque ao Palácio do Planalto não interessa rixas políticas e desagregação de sua base de apoio. A balança vai tender para que os pragmáticos tomem as rédeas das decisões partidárias e decretem a falência das vozes de oposição. 

Essa crise inviabilizará qualquer sonho de poder para a disputa de 2014, mesmo que ainda não se saiba qual será a atitude do PSB diante da disputa presidencial. O desgaste interno entre as correntes transformará o PT numa agremiação satélite e dependente do poder hegemônico do PSB. E para os que nutrem a ingênua esperança sempre é bom lembrar que a Prefeita Maria Luiza Fontenele, pioneira da experiência do PT no poder e cercada por adversidades financeiras e boicotes da elite local, em um momento muito peculiar de nossa história, foi expulsa do PT, em pleno exercício do mandato. Daí que a política e o poder sempre geram
as grandes traições e não perdoam os erros políticos. Não seria
asneira imaginar que a Luizianne Lins sofra retaliações dos grupos pragmáticos e que o desaparecimento de seu grupo seja uma consequência natural da sede de poder que dominará os novos rumos dos atores pragmáticos do PT no Ceará. Os interesses são muito grandes e o encanto de compartilhar o poder, mesmo num consórcio onde caibam até o DEM e o PSDB, parece ser algo precioso como a água em tempos de seca. 
E a conjuntura nacional os favorecerá, pois Dilma sinaliza para a reconciliação pós-eleitoral entre o PT e o PSB, podendo inclusive ampliar a participação dos socialistas no governo federal. As armas para o enfrentamento da disputa interna se utilizará das circunstâncias do momento. Daí que essa postura de revanche frente à realidade das urnas, adotado pelo núcleo do poder municipal, pode significar o argumento que faltava para a degola da Luizianne do comando do PT. Ou então será efetuado o desterro político, menos traumático, com a retirada de cena de Luizianne, nos anunciados estudos de filosofia contemporânea no Rio de Janeiro.

É esperada para as próximas horas a revelação das provas da alegada avalanche de compras de votos. O caminho que o grupo de Luizianne está a trilhar é delicado. Temos a certeza que no jogo da disputa de poder existe o vale-tudo, pois se transforma numa guerra de vida ou morte. Mesmo assim é necessária muita prudência para tentar anular o processo eleitoral. Há de existir provas cabais e incontestáveis e uma comprovação da orquestração de um crime que verdadeiramente interferiu e burlou a legitimidade democrática. Fatores isolados e episódicos devem ter ocorrido. No campo da especulação, até a existência de uma operação articulada não pode ser descartada. O fato é que anular os resultados das urnas eletrônicas exige um manancial significativo de provas incontestáveis. E isso, mesmo sendo verídico, nem sempre é fácil de realizar.

Salvo a existência de um dossiê detalhado que venha a opinião publica e a comova, além, é claro, da robustez de elementos de convencimento diante da justiça. Daí que há enorme expectativa diante desse inusitado fato político, pois o grupo ligado a Luizianne que está bancando a judicialização do processo político-eleitoral e apontando a ilegitimidade dos resultados das urnas, corre o sério risco de destruir o patrimônio adquirido em uma campanha que sensibilizou corações e mentes de parcela significativa da cidade de Fortaleza. 
Perdeu, com uma dose de dignidade e votos, que podem se desmanchar no ar da insensatez. É algo inimaginável se agirem sem consistência de provas. Há muito suspense e demora na tomada de atitudes concretas. Mas será uma ousadia, independente dos rumos que tomem a ação, de efeitos dramáticos e profundas consequências. E fique claro, o PT nacional não avalizará a estratégia. Ou seja, tudo correrá por conta e risco do grupo da prefeita Luizianne Lins.

A única coisa que ainda resta intacta é o poder absoluto do PSB. Além da vitória eleitoral, provocou o fim da oposição política para o seu projeto de poder. O PT sai do poder em profunda crise interna e isolamento político dos tradicionais partidos de esquerda, fato que abalará o seu cabedal eleitoral. Os demais partidos, seja da esquerda, direita ou de centro, e até os indefinidos e transgênicos, também foram tragados pelo furacão Cid. O Heitor Férrer sozinho não faz verão; o PSOL elege no próximo embate um deputado federal.

Nas eleições de 2014, com certeza absoluta, o governador Cid Gomes elege governador, senador, maioria da bancada federal e estadual, picotando de sua base aliada alguns escolhidos para compor o quadro de representantes no Ceará. Ele sim pode eleger um poste ou um pé de pau. E não vai abrir a boca para dizer essa besteira. E por muitos e muitos anos vai mandar nos destinos da política do Ceará. Ainda bem que se vale de quadros competentes para administrar e realizará avanços significativos na gestão da cidade. E não tenha dúvida, contará com o apoio da Presidenta Dilma e será seu interlocutor predileto.
A conquista da prefeitura de Fortaleza tem um significado muito mais amplo do que administrar a quinta capital do país. Simboliza a desestruturação do PT do Ceará, o enfraquecimento das forças de oposição e a anunciação de um novo ciclo de domínio político dos Ferreira Gomes, que aliaram a destreza administrativa e a astúcia política em costurar uma frente ampla de partidos, incluindo todos os matizes ideológicos. Talvez seja a maior força de dominação política em nossa história, em todos os tempos.
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