CARTA AO STF ACUSA ERROS E “DINÂMICA CONDENATÓRIA”


Juristas de todo o País assinam carta aberta marcada pela clareza, profundidade e objetividade; afirmam que corte estará ferindo "garantias constitucionais" se negar jurisprudência de 23 anos e derrubar embargos infringentes; para eles, "voto do presidente Joaquim Barbosa retrocede no direito de defesa, o que é inadmissível"; temor é que repercussão de eventual negativa aos embargos, na "sessão histórica" desta quarta-feira 11, coroe "julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressão política e midiática"; apelo de nomes como Celso Bandeira de Mello é por votos "garantistas"

247 – Basta ler para entender.
Com clareza, profundidade e objetividade, juristas e entidades de advogados, magistrados e jornalistas divulgaram no início da noite desta terça-feira 10 carta aberta em que são apontados os principais erros cometidos, até aqui, pelo plenário do STF no julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão.

Para nomes da expressão de Celso Bandeira de Mello, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, o tribunal agiu ao longo de 53 sessões numa "dinâmica condenatória" que atenta contra "garantias constitucionais" dos cidadãos.

O temor é que, em nome de dar uma sentença contra a corrupção, o Supremo passe por cima de 23 anos de jurisprudência ao negar, na "sessão histórica" da quarta 11, os embargos infringentes – aqueles que podem reduzir penas de réus condenados sem a unanimidade dos juízes.

"Não rever a dosimetria para o crime de formação de quadrilha mostrou que há um limite na boa vontade do Supremo em corrigir falhas", assinala o texto.

A carta registra que os signatários agem em "defesa da Constituição e do amplo direito de defesa" diante de um STF que deve agir como "garantista".

Íntegra:
Carta Aberta ao Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal, guardião secular da Justiça no Brasil, tem diante de si, na análise que fará sobre os embargos infringentes na Ação Penal 470, uma decisão histórica. Se negar a validade dos recursos, não fará história pela exemplaridade no combate à corrupção, mas sim por coroar um julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressão política e midiática.

Já no ano passado, durante as 53 sessões que paralisaram a Corte durante mais de quatro meses, a condução do julgamento já havia nos causado profunda preocupação depois de se sobrepor a uma série de garantias constitucionais com o indisfarçável objetivo de alcançar as condenações desejadas no fim dos trabalhos.

Aos réus que não dispunham de foro privilegiado, fora negado o direito consagrado à dupla jurisdição. Em muitos dos casos analisados também se colocou em xeque a presunção da inocência. O ônus da prova quase sempre coube ao réus, por vezes condenados mesmo diante da apresentação de contraprovas.

No último mês, a apreciação dos embargos de declaração voltou a preocupar dando sinais de que a dinâmica condenatória ainda prevalece na vontade da maioria dos ministros. Embora tenha corrigido duas contradições evidentes do acórdão, outras deixaram de ser revistas, optando-se por perpetuar erros jurídicos em um julgamento em última instância.

Não rever a dosimetria para o crime de formação de quadrilha mostrou que há um limite na boa vontade do Supremo em corrigir falhas. Na sessão do dia 5 de setembro, o ministro Ricardo Lewandowski expôs de maneira transparente que a pena base desta condenação foi muito mais gravosa se comparada com os outros crimes. "Claro que isso aqui foi para superar a prescrição, impondo regime fechado. É a única explicação que eu encontro", afirmou o ministro. Ele e outros três ministros ficaram vencidos na divergência.

Na mesma sessão, outro sinal ainda mais grave: o presidente Joaquim Barbosa votou pela inadmissibilidade dos embargos infringentes, contrariando uma jurisprudência de 23 anos da Casa e negando até mesmo decisões tomadas por ele no mesmo tribunal ao analisar situações similares.

Desde que a Lei 8.038 passou a vigorar, em 1990, regulando a tramitação de processos e recursos em tribunais superiores, a sua compatibilidade perante o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal nunca foi apontada como impedimento para apreciação de embargos infringentes. Em todos os casos analisados em mais de duas décadas, prevaleceu a força de lei do Regimento em seu artigo 333, parágrafo único.

Outro ponto de aparente contradição entre a Lei 8.038 e o Regimento Interno do STF diz respeito à possibilidade de apresentação de agravos regimentais. Neste caso, assim como ocorrera com os infringentes nos últimos 23 anos, os ministros sempre deliberaram à luz de seu regimento, acolhendo a validade dos agravos.

A jurisprudência sobre os infringentes foi reconhecida e ressaltada em plenário pelo ministro Celso de Mello durante o julgamento da própria Ação Penal no dia 2 de agosto de 2012 e, posteriormente, registrada em seu voto no acórdão publicado em abril deste ano.

O voto do presidente Joaquim Barbosa retrocede no direito de defesa, o que não é admissível sob qualquer argumento jurídico. Mudar o entendimento da Corte sobre a validade dos embargos infringentes referendaria a conclusão de que estamos diante de um julgamento de exceção.

Subscrevemos esta carta em nome da Constituição e do amplo direito de defesa. Reforçamos nosso pedido para que o Supremo Tribunal Federal aja de acordo com os princípios garantistas que sempre devem nortear o Estado Democrático de Direito.

Setembro de 2013
  • Antonio Fabrício - presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas
  • Aroldo Camillo - advogado
  • Celso Bandeira de Mello - jurista, professor emérito da PUC-SP
  • Durval Angelo Andrade - presidente da comissão de Direitos Humanos da ALMG
  • Fernando Fernandes - advogado
  • Gabriel Ivo - advogado, procurador do estado em Alagoas e professor da Universidade Federal de Alagoas
  • Gabriel Lira, advogado
  • Lindomar Gomes - vice-presidente dos Advogados de Minas Gerais
  • Jarbas Vasconcelos - presidente da OAB-PA
  • Luiz Tarcisio Teixeira Ferreira - advogado
  • Marcio Sotelo Felippe - ex-procurador-geral do Estado de São Paulo
  • Pedro Serrano - advogado, membro da comissão de estudos constitucionais do CFOAB
  • Pierpaolo Bottini - advogado
  • Rafael Valim - advogado
  • Reynaldo Ximenes Carneiro - advogado
  • Roberto Auad - presidente do Sindicato dos Advogados de Minas Gerais
  • Ronaldo Cramer - vice-presidente da OAB-RJ
  • Wadih Damous - presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB
  • William Santos - presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG
Mais as entidades:
  • Associação dos perseguidos, presos, torturados, mortos e desaparecidos políticos do Brasil
  • NAP - Núcleo de advogados do povo MG
  • RENAP- Rede Nacional de Advogados Populares MG
  • Sindicato dos Advogados de Minas Gerais
  • Sindicato dos Jornalistas Profissionais MG
  • Sindicato dos empregados em conselhos e ordens de fiscalização e do exercício profissional do Estado de Minas Gerais
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