Em Mundiais, a exploração sexual de crianças e adolescentes cresce. Governos locais não têm campanha de prevenção, e a situação tende a piorar
Propaganda veiculada durante encontro oficial em Florianópolis |
O histórico dos megaeventos pelo mundo revela um dado preocupante: em Copas e Olimpíadas a exploração sexual de crianças e adolescentes cresce, além do tráfico de pessoas. A Fifa já declarou que não tem nada a ver com isso, se eximindo de qualquer responsabilidade. Os governos locais não apresentam campanhas de prevenção a esses abusos, e a situação tende a piorar.
Turismo sexual na Copa Fifa, será este um legado da #CopadasCopas?
Confira algumas das denúncias de exploração sexual relacionada a Copa de 2014:
1. Camisetas oficiais do Mundial com clara conotações machistas e sexuais
Brasil: país do samba, do futebol e das belas mulheres (mulatas). Será esta a imagem que o país continua fortalecendo e tentando vender? Para a Adidas, patrocinadora oficial do evento e uma das grandes beneficiárias da Copa, sim. A empresa lançou uma série de camisetas do Mundial 2014, entre as quais duas fazem menção direta ao corpo das brasileiras. Será que a parceira da Fifa se esqueceu do problema do turismo sexual?
2. Florianópolis: recepção de delegações com propaganda de turismo sexual
Florianópolis, a capital de Santa Catarina, não é uma das doze cidades-sede dos jogos da Copa de 2014, mas está inclusa no calendário por receber alguns de seus eventos e, possivelmente, uma Fan Fest. No dia 18 de fevereiro, ocorreu na cidade o Congresso Técnico da Fifa, que reuniu comissões técnicas das 32 seleções que participarão do megaevento. Os grupos foram recebidos com um caderno intitulado “Welcome to Florianópolis” encartado dentro do Diário Catarinense (RBS) com a foto de várias mulheres de biquíni e embaixo, uma propaganda “do melhor clube de striptease da cidade”.
Se isto foi veiculado em um evento oficial da #CopadasCopas, imagina em hotéis e outros locais durante o evento?
3. “Garota Copa Pantanal 2014″: adolescentes com camisetas do Mundial em poses sensuais
Em março de 2012, foi denunciado o site “Garota Copa Pantanal 2014″ que publicava vídeos e fotos de garotas menores de 18 anos em posições sensuais e com camisetas promocionais alusivas ao torneio de futebol. O site era organizado por uma agência de modelos itinerante suspeita de levar jovens para a rede de exploração sexual.
No site do grupo, uma notícia postada no dia 6 de agosto de 2011 informa que a mesma garota irá para Zurique, na Suíça, em 2013, participar do sorteio das sedes da Copa das Confederações, que também ocorrerá no Brasil. Atualmente, essa participante está com 15 anos.
4. No entorno dos estádios, surge rede de exploração de crianças, adolescentes e mulheres
Há denúncias do aumento de exploração sexual, incluindo crianças e adolescentes, nos arredores dos estádios e das grandes obras urbanas da Copa de diversas cidades-sede. Em São Paulo, uma reportagem do jornal britânico Mirror revelou que garotas de 11 a 14 anos estão se prostituindo na região do Itaquerão, Zona Leste de São Paulo.
5. Para trabalhar durante o evento, mulheres se submetem a cirurgias plásticas e são exploradas para pagar suas dívidas
Mulheres que desejam emprego como trabalhadoras sexuais durante a Copa de 2014 devem se submeter a cirurgias plásticas. Por não terem o dinheiro necessário para a intervenção médica, são obrigadas a trabalhar de dez a doze horas por dia para quitar suas dívidas, e nas piores condições. Em condição análoga ao trabalho escravo, essas mulheres não conseguem sair das redes de exploração sexual e com certeza, tem alguém lucrando pelo seu trabalho.
6. Empresários do sexo já preparam seu lucro para a Copa de 2014
O mercado da prostituição deve crescer em 60% durante o Mundial, revelou uma reportagem da Folha de S.Paulo. Em entrevistas, os empresários da exploração sexual se mostraram estar muito animados com a #CopadasCopas, que deve superar o lucro obtido na Fórmula 1 e outros eventos conhecidos como o “natal” do ramo.
Pensando nisso, os empresários procuram preparar seus empregados – em sua grande maioria, mulheres – para receber os turistas interessados. As trabalhadoras de uma das casas pesquisadas pela Folha estão aprendendo a falar “Você faz anal? Sim, mas cobro um extra” e outras expressões em inglês.
Apenas agora, às vésperas do Mundial de 2014, a presidente Dilma Rousseff resolveu lançar uma campanha de prevenção contra a exploração sexual, uma política exigida por movimentos sociais, entidades e ONGs há muitos anos. Por que o governo demorou tanto se estudos já comprovavam o crescimento de redes de exploração sexual e tráfico humano durante megaeventos? Será que agora, não é tarde para muitos jovens, crianças, mulheres e homens?
Um estudo da fundação francesa Scelles comprova que as grandes competições internacionais permitem que as redes criminosas “aumentem a oferta” de pessoas que são prostituídas. Na África do Sul, por exemplo, o número estimado aumentou de 100 para 140 mil, durante o megaevento de 2010.
O Brasil possui um dos maiores níveis de exploração sexual infanto-juvenil do mundo. De acordo com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, uma rede de organizações não-governamentais, estima-se que existam 500 mil crianças e adolescentes na indústria do sexo no Brasil (dados de 2012). Este índice tende a crescer ainda mais com a Copa de 2014.
No estado da Bahia, o terceiro em número de denúncias de violência sexual, apenas em dezembro de 2013 se divulgou uma campanha com o título “Fim da Prostituição e do Tráfico Infantil”. Além disso, as poucas campanhas realizadas até agora são relacionadas ao público infantil, campanhas estas que são mais aceitas pela sociedade e provocam adesão no combate.
Todavia, campanhas relacionadas a públicos estigmatizados, como mulheres e travestis, não recebem a devida ênfase, omitindo-se assim o fato de que se tratam de vítimas das condições sociais que as levaram à prostituição. Isso nos remete ao histórico de violação de direitos que perpassa até mesmo os planejamentos das políticas públicas.
Ativistas e organizações que combatem a exploração de pessoas indicam que o assunto não é prioridade para os governos, que continuam reprimindo as trabalhadoras e trabalhadores do ramo ao invés de desenvolver políticas públicas de prevenção à exploração sexual, dando-lhes outras condições e alternativas de sobrevivência. Políticas deveriam ter sido intensificadas logo que o país foi eleito sede da Copa do Mundo, o que não ocorreu.
É valido ressaltar que campanhas de combate à exploração sexual, até então, pouco tem se relacionado ao nome da Fifa. Será que esse é mais um requisito para trazer o torneio ao Brasil? Assim como é exigido a outras corporações, a Fifa também deveria cumprir leis de responsabilidade social, como, por exemplo, campanhas e ações na área do combate à exploração sexual, dados os inúmeros alertas e fatos que comprovam que o Mundial intensifica esse sombrio mercado.
*Publicado originalmente no site do Comitê Popular da Copa de São Paulo