A Mídia e os Roedores no Congresso

Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

A semana termina em tom de pacificação. Na sexta-feira (10/4), os principais diários brasileiros acomodam melhor o noticiário sobre a crise política, registrando as primeiras ações do presidente do PMDB e vice-presidente da República, Michel Temer, no seu novo papel de mediador entre as várias correntes que formam a base aliada do governo no Congresso Nacional. Por outro lado, o noticiário se aprofunda na proposta de novas regras para contratações de funcionários terceirizados e há um desvio sutil no escândalo da Petrobras.

Pode-se perceber certo descompasso entre o que descrevem os textos internos, e em especial algumas notas curtas, e o que alardeiam as manchetes. A impressão que se dá ao leitor mais crítico, que busca as entrelinhas e tem o cuidado de vasculhar detalhes no pé das reportagens e entrevistas, é de que há um jornal das primeiras páginas, feito para impressionar quem passa rapidamente diante das bancas e quiosques, e outro jornal nas páginas internas – feito para preservar o que resta de credibilidade da imprensa.

Alguns articulistas se apressam em opinar que a nomeação de Michel Temer como negociador entre o Congresso e o Planalto reduz o papel da presidente da República, mas outros analistas entendem que essa iniciativa começa a tirar a chefe do Executivo da armadilha criada pelos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Renan Calheiros e Eduardo Cunha.

Calheiros, veterano de outras crises, dá sinais de que irá colaborar com Temer para reduzir as tensões. Resta observar o que fará o presidente da Câmara.

Eduardo Cunha já comentou que apoiará as ações de Temer, mas espera o resultado das manifestações de domingo (12/4) para decidir se continuará com sua tática de enfrentamento. Por enquanto, ele tem tido um respaldo quase envergonhado da imprensa, mas os jornalistas que cobrem a capital federal não compram seu discurso sobre a independência do Legislativo, de olho em suas relações com grupos religiosos conservadores.

Nova versão

Para conhecer o perfil de Cunha, é interessante identificar o rol de seus principais interesses. No registro.br, o catálogo do sistema brasileiro de administração da internet, se pode constatar que ele controla alguns domínios dedicados à exploração comercial da religião: fenacompra.net.br, compradecrente.com.br, crentecompra.com.br, fenodesconto.net.br, são alguns dos seus projetos (acessar copiando o link: registro.br/cgi-bin/whois/?qr=504.479.717-00&). Como se pode observar, o presidente da Câmara parece comprometido com uma agenda que contraria a norma constitucional do Estado laico.

Sobre o escândalo da Petrobras, outro tema de destaque na agenda pública, os três jornais mais influentes dizem, nas manchetes, que o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, João Vaccari Neto, negou diante da Comissão Parlamentar de Inquérito ter recebido propina originária da estatal e calculam em até R$ 6 bilhões o total que teria sido desviado da empresa. Mas na Folha de S. Paulo há uma reportagem, também destacada na primeira página, informando que um dos principais delatores do escândalo, o ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa, mudou seu depoimento na quinta-feira (9/4), e agora diz que não houve superfaturamento nas obras que estão sendo investigadas.

Nas notas curtas e nas entrelinhas, o leitor atento vai observar que a defesa do tesoureiro do PT manda um sinal para os demais partidos, lembrando que muitos que se alinham entre os acusadores também tiveram campanhas eleitorais financiadas pelas grandes empreiteiras acusadas de participar de negociatas na Petrobras.

Por outro lado, fica evidente que a petição enviada pelo delator à Justiça, mudando seu depoimento, tem o dedo das empreiteiras: se for aceita a nova versão, de que não houve sobrepreço, os executivos e empresários que são apontados como corruptores têm grandes chances de escapar da prisão.

Então, ficamos assim: empreiteiras que têm negócios bilionários com a Petrobras fizeram doações a partidos políticos em geral, inclusive aos que perderam a eleição presidencial. O delator mais prestigiado pela imprensa diz que elas não tiraram essas doações de obras e serviços superfaturados – segundo essa nova versão, o dinheiro saiu dos lucros das empresas, que sacrificaram seus ganhos para financiar o jogo democrático.

Talvez a melhor síntese desse contexto seja a charge publicada na página 2 da Folha, retratando o episódio em que um funcionário da Câmara soltou cinco roedores na sala onde acontecia a reunião da CPI da Petrobras: no desenho, um roedor, perdido entre as pernas dos parlamentares, se apalpa e diz: “Minha carteira!”
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