Especialistas dizem que proposta em discussão no Congresso Nacional não tem respaldo em dados e recomendam melhorias de ações socioeducativas
EBC
A presidenta Dilma Rousseff manifestou nesta segunda-feira (13) posição contrária à redução da maioria penal de 18 para 16 de anos de idade, que está em discussão no Congresso Nacional. Segundo ela, a medida necessária é o endurecimento na lei para punir com mais rigor os adultos que utilizam adolescentes no crime organizado.
“Não podemos permitir a redução da maioridade penal. Lugar de meninos e meninas é na escola. Chega de impunidade para aqueles que aliciam crianças e adolescentes para o crime”, disse a presidenta, na tarde de hoje, em seu perfil oficial do Facebook.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, recebeu a orientação da presidenta para discutir, com representantes de organizações da sociedade, os ajustes que aprimorem o Estatuto da Criança e do Adolescente. “É uma grande oportunidade para ouvirmos em audiências públicas as vozes do nosso País durante a realização deste debate”, avaliou a presidenta. “[A redução da maioridade] seria um grande retrocesso.”
Para Dilma, a proposta de redução da maioridade não resolve o problema de jovens que já são punidos ao cometer crimes. “Menores que tenham cometido algum tipo de delito precisam se submeter a medidas socioeducativas, que nos casos mais graves já impõem privação da liberdade”, ressaltou.
Medidas socioeducativas
As estatísticas e os estudos em segurança pública reforçam as críticas da presidenta Dilma. Hoje, o Brasil tem 20 mil jovens cumprindo medidas socioeducativas em meio fechado. Outros 69 mil condenados por crimes estão em meio aberto. A redução da maioridade somente aumentaria a população carcerária de 535 mil pessoas presas, colocando o País no quatro lugar do ranking mundial.
“Não existe impunidade para jovens no Brasil. O que ocorre é um problema na execução das medidas socioeducativas”, diz o pesquisador Frederico Couto Marinho, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Para Marinho, os programas socioeducativos têm problemas que tornam o sistema pouco eficiente. Faltam recursos financeiros. O tratamento clínico é insatisfatório para os dependentes químicos. Profissionais que cuidam de adolescentes infratores têm baixa qualificação. E existe a dificuldade para o retorno à escola de quem foi punido.
Por outro lado, afirma o pesquisador, a Justiça é rápida na hora de penalizar menores de idade. Uma pesquisa do Crisp-UFMG mostrou que, em Belo Horizonte, a sentença para um adulto que cometeu homicídio não demora pouco mais de oito anos para sair. Uma medida socioeducativa é aplicada em apenas dois meses após a infração.
Mortes de adolescentes
A discussão acalorada está chamando a atenção de organismos internacionais. “É perturbador que um país como o Brasil esteja tão preocupado em priorizar a discussão sobre punição de adolescentes que praticam atos infracionais registrados ocasionalmente, quando torna-se tão urgente impedir assassinatos brutais de jovens cometidos todos os dias”, diz Gary Stahl, representante do Unicef no Brasil.
Segundo Stahl, dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% cometeu atos contra a vida de outra pessoa. O que deveria pautar o debate brasileiro, avalia ele, são as mortes violentas de jovens. “Hoje, os homicídios já representam 36,5% das causas de morte, por fatores externos, de adolescentes no País, enquanto para a população total correspondem a 4,8%”, acrescentou.
A Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República e o Unicef realizaram um estudo comparativo para analisar como o tema é tratado em 53 países. O resultado é que 79% deles adotam maioridade penal com 18 anos de idade ou mais. Muitos seguem o exemplo da Alemanha, que tem o conceito de “jovens adultos”, com punições diferenciadas para quem está na faixa de 18 a 21 anos. Só a partir de 21 anos é que o infrator vai para a Justiça comum.