Oito em cada dez cidades do país vão chegar às eleições para prefeito com dívidas previdenciárias. Para agravar o quadro, a crise impactou a arrecadação dos municípios
As duas principais dívidas dos municípios são a chamada dívida fundada, em que os credores são o Tesouro Nacional e bancos públicos, e a dívida com previdência social, que somadas chegam a R$ 150 bilhões.
A divida previdenciária é estimada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) em R$ 100 bilhões de reais e atinge 4.688 municípios, o que representa 84% do total. Em 2009, essa dívida era de R$ 22 bilhões. Ou seja, em sete anos, ficou cinco vezes maior.
Isso acontece porque a dívida é corrigida pela taxa Selic - que hoje está em 14,25% ao ano - e é calculada com base em juros compostos, aqueles mesmos usados na cobrança do cartão de crédito.
Para Roberto Kupski, presidente da Federação Brasileira de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), a metodologia torna a dívida impagável.
“A Selic cresceu 912% de janeiro de 1999 a dezembro de 2015. A inflação medida pela IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 208%. Cai a receita, e a taxa Selic lá em cima. Isso acaba quebrando os municípios e Estados.”
Dívida com o Tesouro
Já a dívida fundada vem de empréstimos que os municípios fizeram com instituições financeiras e que foram assumidos pelo Tesouro Nacional e bancos federais no final da década de 1990. Essa dívida atinge 80 municípios que, somados, devem cerca de R$ 50 bilhões à União, segundo dados do Banco Central.
Em 2000, quando a dívida foi renegociada com a União, o débito era de R$ 21 bilhões. No ano passado, chegou a quase R$ 100 bilhões e caiu pela metade nesse ano depois da mudança do indexador da dívida, que deixou de ser corrigida pelo IGP-DI, acrescido de 6% a 9% de juros ao ano e passou a ser atualizada pelo IPCA, mais 4% de juros.
Desde 2000, os municípios já pagaram R$ 51 bilhões em juros e encargos da dívida fundada, ou seja, mais que o dobro do que deviam inicialmente.
Só a cidade de São Paulo, maior devedora, tem R$ 30 bilhões de reais de dívida fundada. Em seguida aparecem o Rio de Janeiro, com R$ 13 bilhões, e Belo Horizonte, com R$ 2,7 bilhões.
A dívida fundada de Natal saltou de R$ 51 milhões em 2000 para R$ 344 milhões atualmente, crescimento de 572%, o maior entre todas as capitais.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, diz que a situação das prefeituras reflete a má distribuição de recursos entre União, Estados e municípios. Segundo ele, as prefeituras têm muitas atribuições constitucionais e pouco dinheiro.
“Em 2014, a União arrecadou R$ 1,85 trilhões. A União ficou com 59%. Os governadores ficaram com 24%, e quanto ficou para os municípios? 17%. E aí como é que você faz Saúde, Educação, Assistência Social, luz na rua, alimentação escolar, transporte escolar? Todo mundo que entra numa prefeitura já é condenado no dia seguinte à posse. O prefeito em si já está virando ficha suja.”
Crise econômica e fiscal
Para piorar, a recessão econômica reduz a arrecadação dos municípios, fazendo com que gestores atrasem salários e deixem de pagar fornecedores.
Segundo estudo da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) 87% dos municípios brasileiros enfrentam uma situação fiscal crítica ou difícil. É o pior desempenho desde 2006, quando o estudo começou a ser feito.
Só neste ano 19 municípios decretaram calamidade financeira. É o caso de Betim, na Grande Belo Horizonte. A prefeitura teve que cortar cargos comissionados, reduzir salários do primeiro escalão e aprovar novas taxas, além de acabar com políticas públicas, como os restaurantes populares. O secretário-adjunto da Fazenda do município, Luiz Paulo Barros, diz que o próximo prefeito vai encontrar muitas dificuldades.
“Ele vai ter que fazer uma grande reforma administrativa, reduzir secretarias, reduzir a máquina e criar receitas. Senão, não é só que não terá o poder de investimento: ele não administra mais Betim. O município vai ficar não administrável.”
Há situações em que o problema crônico da falta de recursos é agravado por corrupção e má gestão, como em Teresópolis (RJ), que também decretou calamidade financeira neste ano. Nos últimos três anos, a cidade teve três prefeitos diferentes. E desde 2011, dois prefeitos foram cassados. O atual gestor, Mário Tricano, só assumiu o posto no início do ano, a oito meses das eleições.
Segundo o atual secretário de governo do município, Carlos Dias, a dívida total de Teresópolis é de R$ 1,2 bilhão de reais, o triplo do orçamento do município.
“Tem um caso pitoresco. Nós temos uma praça olímpica aqui cujo precatório dela equivale a R$ 570 milhões de reais. Uma área no centro da cidade que, supervalorizando, vale R$ 10 milhões. Essa situação precisa ser revista.”
Sem dinheiro, promessas de campanha ficam pelo caminho. Em São Paulo, a gestão de Fernando Haddad (PT) entregou até agora só 10 mil casas das 55 mil prometidas. No Rio, o prefeito Eduardo Paes não vai conseguir cumprir a meta de modernizar toda a frota de ônibus. Até agora, pouco mais da metade da frota foi modernizada. E no Recife, a promessa do prefeito Geraldo Julio (PSB), de implantar o ensino integral nas 34 escolas municipais, só atingiu seis unidades. Por Guilherme Balza CBN
As duas principais dívidas dos municípios são a chamada dívida fundada, em que os credores são o Tesouro Nacional e bancos públicos, e a dívida com previdência social, que somadas chegam a R$ 150 bilhões.
A divida previdenciária é estimada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) em R$ 100 bilhões de reais e atinge 4.688 municípios, o que representa 84% do total. Em 2009, essa dívida era de R$ 22 bilhões. Ou seja, em sete anos, ficou cinco vezes maior.
Isso acontece porque a dívida é corrigida pela taxa Selic - que hoje está em 14,25% ao ano - e é calculada com base em juros compostos, aqueles mesmos usados na cobrança do cartão de crédito.
Para Roberto Kupski, presidente da Federação Brasileira de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), a metodologia torna a dívida impagável.
“A Selic cresceu 912% de janeiro de 1999 a dezembro de 2015. A inflação medida pela IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) foi de 208%. Cai a receita, e a taxa Selic lá em cima. Isso acaba quebrando os municípios e Estados.”
Dívida com o Tesouro
Já a dívida fundada vem de empréstimos que os municípios fizeram com instituições financeiras e que foram assumidos pelo Tesouro Nacional e bancos federais no final da década de 1990. Essa dívida atinge 80 municípios que, somados, devem cerca de R$ 50 bilhões à União, segundo dados do Banco Central.
Em 2000, quando a dívida foi renegociada com a União, o débito era de R$ 21 bilhões. No ano passado, chegou a quase R$ 100 bilhões e caiu pela metade nesse ano depois da mudança do indexador da dívida, que deixou de ser corrigida pelo IGP-DI, acrescido de 6% a 9% de juros ao ano e passou a ser atualizada pelo IPCA, mais 4% de juros.
Desde 2000, os municípios já pagaram R$ 51 bilhões em juros e encargos da dívida fundada, ou seja, mais que o dobro do que deviam inicialmente.
Só a cidade de São Paulo, maior devedora, tem R$ 30 bilhões de reais de dívida fundada. Em seguida aparecem o Rio de Janeiro, com R$ 13 bilhões, e Belo Horizonte, com R$ 2,7 bilhões.
A dívida fundada de Natal saltou de R$ 51 milhões em 2000 para R$ 344 milhões atualmente, crescimento de 572%, o maior entre todas as capitais.
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, diz que a situação das prefeituras reflete a má distribuição de recursos entre União, Estados e municípios. Segundo ele, as prefeituras têm muitas atribuições constitucionais e pouco dinheiro.
“Em 2014, a União arrecadou R$ 1,85 trilhões. A União ficou com 59%. Os governadores ficaram com 24%, e quanto ficou para os municípios? 17%. E aí como é que você faz Saúde, Educação, Assistência Social, luz na rua, alimentação escolar, transporte escolar? Todo mundo que entra numa prefeitura já é condenado no dia seguinte à posse. O prefeito em si já está virando ficha suja.”
Crise econômica e fiscal
Para piorar, a recessão econômica reduz a arrecadação dos municípios, fazendo com que gestores atrasem salários e deixem de pagar fornecedores.
Segundo estudo da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) 87% dos municípios brasileiros enfrentam uma situação fiscal crítica ou difícil. É o pior desempenho desde 2006, quando o estudo começou a ser feito.
Só neste ano 19 municípios decretaram calamidade financeira. É o caso de Betim, na Grande Belo Horizonte. A prefeitura teve que cortar cargos comissionados, reduzir salários do primeiro escalão e aprovar novas taxas, além de acabar com políticas públicas, como os restaurantes populares. O secretário-adjunto da Fazenda do município, Luiz Paulo Barros, diz que o próximo prefeito vai encontrar muitas dificuldades.
“Ele vai ter que fazer uma grande reforma administrativa, reduzir secretarias, reduzir a máquina e criar receitas. Senão, não é só que não terá o poder de investimento: ele não administra mais Betim. O município vai ficar não administrável.”
Há situações em que o problema crônico da falta de recursos é agravado por corrupção e má gestão, como em Teresópolis (RJ), que também decretou calamidade financeira neste ano. Nos últimos três anos, a cidade teve três prefeitos diferentes. E desde 2011, dois prefeitos foram cassados. O atual gestor, Mário Tricano, só assumiu o posto no início do ano, a oito meses das eleições.
Segundo o atual secretário de governo do município, Carlos Dias, a dívida total de Teresópolis é de R$ 1,2 bilhão de reais, o triplo do orçamento do município.
“Tem um caso pitoresco. Nós temos uma praça olímpica aqui cujo precatório dela equivale a R$ 570 milhões de reais. Uma área no centro da cidade que, supervalorizando, vale R$ 10 milhões. Essa situação precisa ser revista.”
Sem dinheiro, promessas de campanha ficam pelo caminho. Em São Paulo, a gestão de Fernando Haddad (PT) entregou até agora só 10 mil casas das 55 mil prometidas. No Rio, o prefeito Eduardo Paes não vai conseguir cumprir a meta de modernizar toda a frota de ônibus. Até agora, pouco mais da metade da frota foi modernizada. E no Recife, a promessa do prefeito Geraldo Julio (PSB), de implantar o ensino integral nas 34 escolas municipais, só atingiu seis unidades. Por Guilherme Balza CBN