André Mendonça não pode ser ministro do STF

A Constituição é clara: o Brasil é um estado laico. Isso não significa que o País pratica algum tipo de discriminação nem que é contra qualquer religião dos seus cidadãos. Aliás, pelo contrário. A laicidade do Estado reafirmada pela lei é justamente o que garante a liberdade religiosa para todos, sem que uma crença seja considerada superior ou mais importante que outra. Ser um estado laico também significa que os interesses religiosos não podem influenciar ou interferir de maneira alguma nas decisões de nenhum membro do poder Executivo, Legislativo ou Judiciário.

Isso impede André Mendonça, um pastor evangélico obediente aos bispos da Assembleia de Deus, de se tornar ministro da Supremo Tribunal Federal (STF). 

O presidente Jair Bolsonaro, com a sua incontinência verbal habitual, declarou que escolheria um ministro “terrivelmente evangélico” para o STF. Isso já é uma prova de afrontamento da Constituição, pois a justificativa para tal indicação não pode ser feita por razões religiosas, mas por “reputação ilibada e notório saber jurídico”. Está na Constituição, aquele livro promulgado em 1988 que Bolsonaro não tem em sua cabeceira (nem qualquer outro livro, obviamente).

Pode até ser que André Mendonça tenha essas duas características, isso não está em questão aqui. O que o impede de assumir a vaga é, entre outras razões, a declaração que ele deu por livre e espontânea vontade durante uma reunião de obreiros da Assembleia de Deus, em Madureira, no último dia 12 de setembro. O candidato a ministro confessou publicamente: “Os senhores são bispos da Assembleia de Deus, mas, para além disso, Deus os constituiu bispos sobre a minha vida. Vocês é quem são autoridades sobre mim. Sou um discípulo. Não é um ato de vontade. É um reconhecimento de submissão”.

Essa confissão de vassalagem o desqualifica para uma vaga no Supremo.

É inaceitável que um ministro do STF seja submisso a um bispo ou a qualquer outra liderança religiosa. Isso seria a morte do estado laico e a prova de que, se nomeado, ele seria apenas uma marionete dos bispos da Assembleia de Deus. Esses, sim, teriam o real poder para influenciar as decisões da Suprema Corte brasileira e, por consequência, de toda a sociedade. Como o próprio Mendonça afirmou, sua confirmação ao STF representaria o fim da nossa laicidade, uma vez que todas as suas decisões seriam suspeitas de estarem vinculadas à defesa dos interesses dos bispos aos quais é submisso, em detrimento da vontade soberana do povo brasileiro. É bom notar que a questão aqui não é a religião que ele pratica: o presidente da Casa, Luiz Fux, é judeu, e nem por isso ele se declara submisso aos rabinos de sua comunidade. André Mendonça, no entanto, confessou publicamente seu servilismo, o que o desqualifica imediatamente para o posto.

Se o Senado aprovar o nome de André Mendonça, o Brasil deixará de ser um país laico para se tornar um arremedo de teocracia evangélica – algo que Bolsonaro só quer que seja realidade porque está de olho nos votos dessa multidão de fiéis.

Artigo de Felipe Machado / ISTOÉ

Postagem Anterior Próxima Postagem