Olá! O mundo olha para o Brasil, o laboratório particular de crimes contra a humanidade de Bolsonaro. E o mercado olha com desconfiança para o governo, enquanto nem a justiça nem o novo bolsa família saem do papel.
A dúvida agora é se as denúncias vão se reverter em acusações formais, julgamentos e condenações
.Chefe de quadrilha. Seis meses depois de iniciada, a CPI da Covid chega ao fim. Com razão, o relator Renan Calheiros (MDB) ressaltou que, na pior das hipóteses, a Comissão é vitoriosa porque obrigou o governo a agir para controlar a pandemia, mesmo que tardiamente. Mas qual é o saldo e quais serão as consequências? A CPI revelou uma série de omissões e crimes deliberados do governo e seus aliados: defesa da tese da imunidade de rebanho, atraso na vacinação e esquemas de corrupção na compra de vacinas, disseminação de tratamentos ineficazes e divulgação massiva de fake news. Mais do que isso, o relatório final revelou o grau de articulação de todos os 68 acusados pela Comissão, apontando que Bolsonaro coordenava uma "organização oculta e secreta” que, através de um gabinete paralelo ao Ministério da Saúde, envolveu membros do governo, políticos, médicos, empresários, militares e blogueiros. Eles agiam em cinco frentes: o núcleo de comando, formado pelo capitão e seus filhos; o Gabinete do Ódio, coordenado por Carlos Bolsonaro e assessorado por Filipe Martins e Tercio Arnaud; subordinado a este encontrava-se o núcleo de fake news, uma rede de influenciadores digitais e canais de internet, como Terça Livre e Brasil Paralelo, que já eram alvos do inquérito do STF; o núcleo político, responsável por construir as bases no Congresso, formado por políticos, autoridades públicas e religiosas, dentre eles os deputados Ricardo Barros e Carla Zambelli, e o ministro Onyx Lorenzoni; e o núcleo de financiamento, que sustentava economicamente a rede, ligado a empresários como Otávio Fakhoury e Luciano Hang e aparatos como o Instituto Força Brasil. Para quem imaginava que os militares seriam poupados, pelo menos dois generais foram implicados: Eduardo Pazuello, que foi acusado de diversos crimes enquanto esteve à frente do Ministério da Saúde, e Walter Braga Netto, que é acusado de epidemia culposa devido à produção e distribuição de cloroquina.
.A hora da verdade. A dúvida agora é saber se as denúncias vão se reverter em acusações formais, julgamentos e condenações. Para começo de conversa, o vazamento antecipado do relatório final ainda na segunda-feira (18) expôs a divergência dos senadores sobre a imputação do crime de genocídio a Bolsonaro. Neste caso, a esquerda faltou ao encontro, assim como a sociedade em geral, e o senador Renan Calheiros ficou isolado. Acabou prevalecendo o entendimento de que não houve genocídio. No final, a Comissão acusou Bolsonaro de 9 crimes: epidemia, infração de medida sanitária, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documentos, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, crimes contra a humanidade e crime de responsabilidade. Não é pouca coisa e “Bolsonaro sentiu”, como diria Tino Marcos. Mesmo com o esperneio nas redes sociais, recheadas de fake news, a narrativa do governo sobre a pandemia está indo por água abaixo. O problema é que o clima em Brasília não está favorável à tão esperada justiça. A partir de agora, as denúncias devem seguir três caminhos. Os crimes comuns serão encaminhados à PGR, onde os governistas esperam que o engavetador geral da República Augusto Aras (não) faça o seu trabalho. Já os crimes de responsabilidade serão encaminhados para a Câmara dos Deputados, onde o amigo Arthur Lira pode sentar em cima ou usar como moeda de troca do centrão com o governo. Por fim, os crimes contra a humanidade serão levados ao Tribunal Penal Internacional, em Haia. A boa notícia é que o jogo ainda está sendo jogado e o despacho do ministro Alexandre de Moraes solicitando a prisão do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos mostra que na Brasília de Bolsonaro o clima sempre pode mudar.
.Vai cair. Desde o início da pandemia, há uma divisão clara dentro do governo. De um lado, a ala do baixo clero do Congresso que ascendeu ao poder, como o próprio Bolsonaro, cuja prioridade número um é a reeleição. Para isso, o segredo é abrir o cofre. Do outro lado, a equipe econômica, Campos Netto e companhia, que diante do naufrágio iminente prefere salvar o teto de gastos a salvar o país. Depois de cinco tentativas fracassadas, o governo decidiu pelo auxílio de R$300, vindo do atual Bolsa Família, mas diante do relatório da CPI, decidiu acrescentar mais R$100 fora do teto. A equipe econômica ainda teve a solidariedade do mercado, que não têm nenhuma esperança no ex-posto Ipiranga, mas têm medo de quem possa vir a substituí-lo. A bolsa caiu e o dólar disparou, mas o governo anunciou o programa mesmo sem dizer de onde sairá o dinheiro. Guedes recuou e agora fala em mudar o cálculo do teto ou inventar uma “licença” para um furo temporário. A Câmara, que sonha com um auxílio de R$500, fez a sua parte e a comissão especial aprovou a PEC dos precatórios para furar o teto. Mas na mesma noite, quatro dos principais assessores de Guedes pediram a conta. Para Thomas Traumann, a capitulação de Guedes abre caminho para o futuro fim da regra do teto, defendida não só pela oposição, mas, vejam só, também pela ala bolsonarista do PSDB. Por outro lado, a debandada da equipe seria jogo combinado para provocar pânico no mercado como tábua de salvação de Guedes e do teto. Neste caso, ou ficam os dois, ou caem juntos.
.Milhares de jogadores 456. Com os índices econômicos e sociais piorando dia a dia, viver numa distopia já seria um paraíso por aqui. Quase 20 milhões de brasileiros, a população do Chile, passam fome e outros 24,5 milhões já reduziram quantidade e qualidade do que comem. Junto com a fome, o número de favelas no país dobrou em dez anos. O modelo econômico de desindustrialização e aposta no agronegócio só traz riqueza para o lado de cima do hemisfério, porque mesmo numa cidade de PIB elevadíssimo, como Rio Verde (GO), capital do agronegócio, o que predomina são as favelas e a fome. Quem tem emprego também convive com a diminuição de renda e reajustes abaixo da inflação. Isso sem contar a política de preço dos combustíveis, vaca sagrada da turma que chegou ao poder em 2016, e que mesmo com o auxílio gás aprovado pelo Senado, deve aumentar o custo de vida. No horizonte, ainda se avizinha a possibilidade do desabastecimento de combustível e o agravamento da crise climática, disparando ainda mais o preço dos alimentos, e a desaceleração do crescimento chinês, que está afetando esta periferia exportadora de commodities. Neste cenário, nem o topo do PIB tem esperanças que Bolsonaro possa recuperar a economia. Além da inflação e do novo Bolsa Família, o economista Pedro Cafardo aponta ainda a manutenção ou não do teto de gastos, a reforma tributária e o controle de capitais como pontos que vão exigir respostas de Bolsonaro e dos demais candidatos em 2022.
.O último soldado da terceira via. Enquanto a Globo oferecia até assinatura grátis para quem assistisse o irrelevante debate das prévias do PSDB, a torcida da “terceira via” vibrou ao ver o candidato dos seus sonhos aquecendo na lateral do campo. Ao que tudo indica, Sérgio Moro decidiu pela candidatura pelo Podemos e deverá iniciar uma turnê pelo país para medir sua popularidade. Não poderia ter escolhido o pior momento. Nesta semana, seus fiéis companheiros da Operação Lava Jato no MP sofreram derrotas pesadas. A mais simbólica, mesmo que apertada, foi a demissão do procurador Diogo Castor de Mattos por ter financiado um outdoor autopromovendo a Operação. Já os procuradores da República Deltan Dallagnol e Athayde Ribeiro Costa poderão ser investigados por manipularem a delação do ex-executivo da Petrobras Pedro Barusco a fim de incluir o PT na acusação. E os 11 procuradores do braço carioca da Lava Jato estão sob processo disciplinar do Conselho Nacional do MP por vazamento de informações. Mesmo a derrota da PEC que propõe alterações no Conselho do MP, motivada pela ação desastrada da Lava Jato, não é assunto encerrado e pode voltar nos próximos dias. Além disso, Moro, assim como Doria e Leite, tem um grave problema para se firmar como terceira via: eles são idênticos à primeira via, o bolsonarismo. E, neste caso, sentencia o fundador do Instituto Big Data, “o candidato da terceira via é Bolsonaro”. Prova disso é que deputados do próprio PSDB, e do PSL que não entrarão no União Brasil, devem sair das atuais legendas para não ficarem na oposição a Bolsonaro.
.Não vai ficar tudo bem. Há uma ideia cada vez mais comum de que Bolsonaro vai perder as eleições em 2022 e tudo voltará ao normal. Não é tão simples assim. Como alerta o vice-ministro do Exterior italiano Mario Giro, a mentalidade fascista nunca morre e pode se fundir com outras formas de ressentimento social. Internacionalmente, os sinais de que a onda conservadora ainda não virou marolinha são claros: candidatos de ultradireita tiveram ascensão meteórica e disputam os primeiros lugares nas pesquisas eleitorais na França, na Argentina e até no Chile, que parecia ter enterrado o pinochetismo. Parte destas movimentações tem o empenho público do partido de extrema-direita espanhol Vox que quer montar uma “coalizão anticomunista na Ibero-América”. Aliás, este parece ter sido o tom do encontro entre Bolsonaro e o presidente colombiano Iván Duque, mencionando até as FARCs. Além disso, Bolsonaro e sua trupe apropriaram-se do Estado, como se vê no comportamento infantil da AGU, e continuarão usando o disparo de mensagens impunemente. Já a antropóloga Isabela Kalil alerta que a extrema-direita brasileira não precisa mais de Bolsonaro para se mobilizar. No Rio Grande do Sul, as provas de que não estamos bem: um grupo com suásticas tentou invadir a votação do passaporte vacinal na Câmara de Porto Alegre, enquanto em uma universidade federal, uma estudante de história comemorou o aniversário homenageando Hitler e, em outra, um doutorando de filosofia está sendo investigado por ideias racistas como a defesa de uma “raça pura”. Os crimes de apologia ao nazismo, cresceram justamente nos últimos dois anos. Como um alento, o professor Oliver Stuenkel (FGV) elenca seis lições que a derrota da extrema-direita na República Tcheca deixa para o combate aos neofascistas.
Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile. Edição: Vivian Virissimo