Em carta da prisão, Roberto Jefferson afirma que Bolsonaro e Flávio se viciaram em dinheiro público e diz que vai convidar Mourão para o PTB

Ex-deputado federal está preso no complexo penitenciário de Bangu, na Zona Oeste do Rio.

Roberto Jefferson, do PTB Foto: Agência O Globo

RIO — Em uma carta escrita do complexo penitenciário de Bangu, na Zona Oeste do Rio, o ex-deputado federal Roberto Jefferson criticou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) pelo que ele descreve como "vício nas facilidades do dinheiro público". Ele diz que ao se aproximar de figuras do Centrão, como Ciro Nogueira e Valdemar da Costa Neto, Bolsonaro cercou-se de "viciados" e, consequentemente, se tornou um deles: "Quem anda com lobo, lobo vira, lobo é. Vide Flávio".

— O presidente tentou uma convivência impossível entre o bem e o mal. Acreditou nas facilidades do dinheiro público. Esse vício é pior que o vício em êxtase. Quem faz sexo com êxtase tem o maior orgasmo ou ejaculação que o corpo humano de Deus pode proporcionar. Gozou com êxtase, para sempre dependente dele. Desfrutou do prazer decorrente do dinheiro público, ganho com facilidade, nunca mais se abdica desse gozo paroxístico que ele proporciona. Bolsonaro cercou-se com viciados em êxtase com dinheiro público; Farias, Valdemar, Ciro Nogueira, não voltará aos trilhos da austeridade de comportamento. Quem anda com lobo, lobo vira, lobo é. Vide Flávio — escreveu.

Jefferson diz ainda que o PTB deve ter candidatura própria no ano que vem, e orienta as lideranças do partido a convidarem o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) para disputar a presidência da República, contra o atual mandatário.

— Vamos convidar o Mourão. O PTB terá candidatura própria, quem sabe apoiamos o Bolsonaro no segundo turno.

Jefferson chegou a convidar o Bolsonaro publicamente para ingressar no PTB por diversas vezes. O presidente deu sinais de que poderia negociar com o cacique, mas as conversas de filiação não avançaram. Atualmente, o presidente está entre o PL e o PP, dois partidos do Centrão comandados por Ciro Nogueira e Valdemar da Costa Neto.

O deputado voltou a defender os atos antidemocráticos de 7 de Setembro, e diz que o presidente "fraquejou" ao não avançar nas demandas do "povo que foi às ruas". Nos atos, os manifestantes pediam a intervenção militar e a destituição dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

— Todo o povo saiu às ruas para dizer, eu autorizo, não havia volta, não havia transigência com as velhas práticas. Mas por algum motivo, Bolsonaro fraquejou. Não teve como seguir. Escrevo isso insone. Não preguei meus olhos. Esse pensamento queimou minhas pestanas, não consegui fechar meus olhos e dormir. Vamos por nós mesmos.

O  ex-deputado  precisou ser internado no domingo no hospital do complexo de Bangu 8 em razão de complicações em seu estado de saúde, como febre alta, taquicardia e baixa pressão.

Jefferson voltou para a prisão no último dia 14 por determinação do ministro Alexandre de Moraes, depois que o político recebeu alta hospitalar. Ele estava internado desde o início de setembro com um quadro de infecção urinária e dores na lombar e foi submetido também a um cateterismo para desobstrução de uma artéria.

Além de estar preso, ele já foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por seus ataques às instituições. Na noite de domingo, ele pediu  licença da presidência do PTB  por tempo indeterminado enquanto durar a prisão preventiva. Em carta, o dirigente disse que não pode assinar documentos e faz ataques a parlamentares do partido que pediram seu afastamento.

Leia a carta na íntegra:

O Bolsonaro era a ruptura. Foi eleito para romper com uma velha política, que teve origem na redemocratização, toma lá dá cá, governo de coalização, cada partido recebe um naco da administração e se remunera. E o povo?

"O povo que se lasque".

O Bolsonaro deveria ter aprofundado a ruptura, os choques seriam intensos, como o rugido das ondas nas paredes rochosas dos litorais. Mas ressaqueado até que passasse esse ciclo da lua. Quando tudo, tudo, seguiria o retorno da nova liderança. Mas ele foi cercado pelas figuras do Centrão, que o fizeram capitular frente aos rosnados das bestas famintas de dinheiro público. E o povo? O povo gostaria de ver as bestas enjauladas ou abatidas a tiros pelos caçadores. Mas o presidente tentou uma convivência impossível entre o bem e o mal. Acreditou nas facilidades do dinheiro público, Esse vício é pior que o vício em êxtase, quem faz sexo com êxtase tem o maior orgasmo ou ejaculação que o corpo humano de Deus pode proporcionar. Gozou com êxtase, para sempre dependente dele. Desfrutou do prazer decorrente do dinheiro público, ganho com facilidade, nunca mais se abdica desse gozo paroxístico que ele proporciona.

Bolsonaro cercou-se com viciados em êxtase com dinheiro público; Farias, Valdemar, Ciro Nogueira, não voltará aos trilhos da austeridade de comportamento. Quem anda com lobo, lobo vira, lobo é. Vide Flávio.

Nosso caminho é outro. Queremos um governo dos justos, que felicite e orgulhe o povo. Um governo que não roube e não deixe roubar. Um governo que sirva o povo, não se sirva dele. Um governo que trabalhe com o poder do amor, jamais com  o amor do poder.

Reparem, quando eu quis construir um partido com bases nas expectativas honradas do povo brasileiro, abri mão de lideranças viciadas em velhas práticas; Rondon, Albuquerque, Campos, Cristiane, Benito, Armando, Arnon Bezerra, etc...

Não é fácil fazer a mudança, ela machuca até a gente, pois temos que atingir gente que amamos, mas que se recusa a compreender os novos objetivos.

Bolsonaro precisava peitar.

Se os filhos atrapalham, remova-os. Valdemar Costa Neto e Ciro Nogueira puxam para trás qualquer mudança de práticas, para uma nova vereda de austeridade e honra.

Ruptura com a corrupção tem um peso, leva gente que nós gostamos. Mas é o que o povo espera.

7 de setembro ficou imaculado. Todo o povo saiu às ruas para dizer, eu autorizo, não havia volta, não havia transigência com as velhas práticas. Mas por algum motivo, Bolsonaro fraquejou. Não teve como seguir. Escrevo isso insone. Não preguei meus olhos. Esse pensamento queimou minhas pestanas, não consegui fechar meus olhos e dormir.

Vamos por nós mesmos.

Vamos convidar o Mourão. O PTB terá candidatura própria, quem sabe apoiamos o Bolsonaro no segundo turno.

Não é fácil afastar um filho, sei a dor de afastar a Cristiane. Mas o projeto político está acima das concessões sentimentais.

Não se transige à tirania.

Não se transige à opressão.

Não se rende homenagens à ditadura, não se curva às ameaças dos arrogantes.

Nosso edital sinalizará um novo caminho. "A candidatura própria tem precedência sobre as demais".

Gustavo, leva a carta ao general Mourão. Convide-o para a disputa a Presidência, quem souber percorrer a terceira via, vencerá a eleição.

São 5:30 horas, não preguei meus olhos. Minha cabeça está acesa e ligada. É o fogo do Espírito Santo mostrando o caminho a se seguir.

Não visitem mais a Carminha, ela é desembargadora, ele é da turma do Supremo. Nós somos políticos, nossa gente é outra. Somos de outra tribo.

Candidatura própria tem precedência.

7 de setembro é um dia inacabado, quem souber construir o sonho de nosso povo, virará vitorioso as páginas de nossa folhinha.

Deus abençoe nossa gente.

Deus proteja nosso Brasil.

Deus é nossa força e vitória.

Abração.

Roberto Jefferson.

7 de setembro é dia inacabado.

O povo foi ludibriado. 

Rayanderson Guerra e Evandro Éboli / O Globo

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