Olá! Um saudoso da ditadura ao lado de um Chicago Boy levam o país para a estagnação, inflação e crise política. Bem-vindos de volta aos anos 1980!
.Deus por todos. Na falta de uma instituição para bater, o alto comando do bolsonarismo tem se dedicado a atacar uns aos outros. O centro da disputa é a indicação de André Mendonça para a vaga no STF. Se depender de Davi Alcolumbre (DEM), presidente da Comissão de Justiça do Senado, a sabatina não deve acontecer neste ano. Além de considerar Mendonça um “lavajatista”, preferindo Augusto Aras, Alcolumbre também estaria revidando a derrota do irmão nas eleições municipais, atribuído ao fracasso do governo em contornar o apagão elétrico de Macapá. E Alcolumbre não é o único com outro nome na manga. Ciro Nogueira e Arthur Lira (PP), os primeiros-ministros do governo, trabalham para a indicação do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, que teria o apoio até de Renan Calheiros. Ao mesmo tempo, os ministros Fábio Faria (PSD) e Flávia Arruda (PL) articulam o nome de Alexandre Cordeiro de Macedo, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Nenhum dos três nomes alternativos a Mendonça cumpre a promessa de Bolsonaro de que seja “terrivelmente evangélico”, o que levou o pastor Silas Malafaia a disparar contra todos. E este é o problema: Mendonça ficou travado porque só interessa a um dos lados da aliança disfuncional que mantém Bolsonaro no cargo. A aposta de Alcolumbre é de que não há nome de consenso mesmo entre os evangélicos e eles acabarão cedendo à indicação de Augusto Aras. Uma crise com a característica que Bolsonaro mais detesta: a que só cabe a ele tomar uma decisão.
.E todos contra um. Não é só entre os evangélicos que Bolsonaro vai mal. Em Aparecida do Norte, literalmente ouviu um sermão do Arcebispo Dom Orlando Brandes sobre a fome, a política armamentista e a Covid-19. Isso na semana em que foi denunciado pela sexta vez no Tribunal de Haia, agora pelo desmatamento da Amazônia, já podendo pedir música duas vezes no Fantástico. Mas nem Deus, nem Haia preocupam tanto Bolsonaro quanto o motim que parece se avizinhar no Congresso. Se há algo que o centrão sente cheiro é de governo fraco. E o próprio líder do governo Ricardo Barros (PP) tratou de justificar que a pauta governista não anda, porque o ex-chefe da Casa Civil Luis Eduardo Ramos não cumpriu os acordos com os parlamentares. Leia-se “dinheiro”. Para acalmar as hostes, o governo conta com o orçamento secreto e um cheque em branco para emendas no montante de R$3,4 bilhões para as bases eleitorais e sem fiscalização do TCU. Mas mesmo a bolada não será suficiente para barrar a CPI da Covid no Senado. A Comissão já se desdobra em 8 investigações de órgãos de controle e continuará trabalhando como uma frente parlamentar após o encerramento. Além disso, o relatório final deve mirar no filho favorito como líder de uma rede de fake news e os senadores já articulam com a OAB um atalho para as denúncias no STF sem passar pela gaveta de Augusto Aras. Se não for prorrogada, a CPI deve votar o relatório no dia 20, encaminhar para a PGR no dia seguinte e se reunir com Arthur Lira para discutir o enquadramento de Bolsonaro no “crime de responsabilidade” no dia 26.
.Todo mundo em crise? O governo encontrou uma nova desculpa para o descontrole econômico: a crise é mundial. Mas a verdade é que, na contramão de outros exportadores de commodities que tiveram melhora na previsão de crescimento para esse ano, a expectativa do FMI em relação ao Brasil piorou. O mesmo ocorre no desempenho do Ibovespa, que aqui acumula uma queda de 12% ao ano enquanto as bolsas no resto do mundo tiveram alta. A mensagem do capital é clara: o governo brasileiro não é confiável para os investidores. Depois de mais de 25 anos, nem mesmo o Plano Real resistiu a Bolsonaro, avalia Eliane Cantanhêde. Para os mais saudosos, falta só o retorno da Legião Urbana para completar o cenário dos anos 80, pois na economia voltou-se a falar em inércia inflacionária e a lenha de novo superou o gás de cozinha como combustível doméstico. Além da elevação geral dos preços e do aumento da fome, o endividamento familiar chegou a 59% da renda média anual, batendo recorde na série histórica iniciada em 2005, e deve comprometer o crescimento do ano que vem, o que já é admitido pelo próprio Banco Central. Enquanto a balança comercial brasileira também empobreceu, sendo quase monopolizada pela exportação de minérios e produtos agropecuários, 80% dos empregos criados durante a pandemia são informais, sem direitos ou renda garantida. É este o modelo que impulsiona o setor de serviços, que junto ao agronegócio teve um desempenho positivo. Frente a tudo isso, o que o governo fez? Resumiu-se a culpar os governadores pela alta dos combustíveis e cogitar a privatização da Petrobras por não saber como baixar o preço. E, ao contrário do que possa parecer, o congelamento do ICMS aprovado na Câmara pode ter o efeito contrário do esperado. Afinal, Bolsonaro perde o álibi que ajuda a mobilizar seus seguidores nas redes sociais, já que ficará claro que o ICMS não é o problema, além de unificar os governadores contra a medida. E se a campanha #BolsoCaro da oposição prosperar, pode ser que a criminosa política de preços da Petrobras finalmente entre em pauta.
.Sempre ele. Definitivamente, Paulo Guedes não se intimidou com a revelação de sua conta offshore. Desde Washington, onde participou da reunião anual do FMI, ele repetiu o mantra das reformas e privatizações e afirmou que o auxílio emergencial só será renovado se houver uma nova onda da pandemia no Brasil, como se o problema estivesse resolvido. Segundo ele, em tempos de normalidade, o Auxílio Brasil, que ainda não saiu do papel, deve cumprir o papel de medida de redistribuição de renda. Mas o que o ministro não diz é que, além de haver uma redução dos valores pagos, 37% dos atuais beneficiários do Bolsa Família não serão contemplados pelo Auxílio Brasil. No leque de soluções geniais improvisadas, ele ainda está propondo privatizar a Petrobras aos poucos, vendendo ações da empresa para financiar o Auxílio Brasil. Esse é o ultraliberalismo social de Guedes. Mas não só os pobres sofrem nas mãos do Chicago Boy. Em sintonia com a pauta conservadora do governo, o ministro também faz a sua parte para reforçar o negacionismo. Em apenas uma canetada, Guedes alterou a lei que liberaria R$ 690 milhões em verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Com a nova proposta, já aprovada pelo Congresso, o valor caiu para R$ 55 milhões, o que representa um corte de 92% dos recursos para ciência e tecnologia. O susto fez até o astronauta brasileiro Marcos Pontes voltar do mundo da lua e reclamar que isso é uma “falta de consideração”. Como mostra a Piauí, a medida reforça a diáspora de cientistas brasileiros para o exterior, já que aqui não há condições materiais e políticas para levar adiante pesquisas científicas.
.E o Lula, hein? Se Bolsonaro está preso nos problemas que ele e sua base criaram, isto não significa que tudo seja um céu de brigadeiro para o candidato petista. Por um lado, a tentativa de aproximação de Lula com o MDB, na viagem à Brasília na semana passada, fracassou. Cheio de caciques e cada um com seu próprio projeto político, há quem reclame de que Lula bateu na porta errada para conversar com o partido. No caso, o ex-senador Eunício Oliveira (CE), que sonha em voltar para o Senado, lugar que por sua vez, Renan Calheiros sonha em presidir em 2023, ainda mais agora que deve sair vitaminado da CPI da Covid. Entusiasta da terceira via, a grande mídia parece ter se resignado que o tempo é cada vez mais para curto para qualquer candidatura alternativa liberal e agora investe em tentar moderar o petista. O próprio PT já teria uma cartilha de assuntos a evitar: menções à Lava Jato e a pauta conservadora. A primeira questão, aliás, retornou devido à oposição dos Procuradores da República à PEC 5/2021 que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público. Além disso, a imprensa insiste que Lula desista do tema da regulação da mídia e que dê sinais de qual será sua política econômica. Para Alon Feuerwerker, há motivos para manter a luz amarela acesa: Bolsonmaro ainda teria margem de recuperação e, ao mesmo tempo, a oposição tem a simpatia da maioria dos eleitores, mas sua capacidade de mobilização é baixa. Para ele, o melhor cenário para Lula é de que nada aconteça e fique tudo como está, sem nenhum fato novo, apostando que o eleitor já tenha decidido o que fazer na eleição.
Ponto Ponto Newsletter é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.