Previsto para ser submetido hoje à Câmara, texto que autoriza governo a adiar pagamento de precatórios tem resistências
BRASÍLIA — A Câmara dos Deputados pode votar hoje a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que adia o pagamento de dívidas da União. Na reta final das negociações, líderes ainda veem dificuldades para angariar o apoio necessário à aprovação do projeto, que precisa do aval de 308 deputados para passar. Um dos principais entusiastas da PEC, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), receberá aliados à tarde para coordenar as articulações e tentar fechar um acordo de última hora.
Até a véspera da sessão, não havia consenso sobre a redação do texto apresentado. Entre os pontos de divergência estão o bloqueio de montante destinado à educação e a necessidade de reunir deputados de forma presencial em Brasília. Para tentar contornar os obstáculos, Lira e ministros montaram uma força-tarefa, mobilizada desde o início da semana, para convencer parlamentares a marcarem presença em plenário.
A PEC adia o pagamento de precatórios, dívidas da União sobre as quais não cabem mais recursos na Justiça, e é considerada pela equipe econômica como o principal instrumento para financiar o Auxílio Brasil, que substituirá o Bolsa Família. O novo benefício será concedido aos mais vulneráveis e terá o valor mínimo de R$ 400.
Internamente, o programa é tratado como um trunfo fundamental à reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Se aprovado, contudo, elevará o limite do teto de gastos, regra que limita as despesas do governo, ao montante verificado em ano anterior, acrescido do reajuste da inflação. O governo, assim, teria um espaço a mais de até R$ 91,6 bilhões.
Caso a proposta não avance no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro já indicou que colocará em prática um “plano B” para garantir o benefício. A alternativa, porém, ainda não está clara. O Tribunal de Contas da União (TCU), inclusive, aguarda uma consulta formal do Executivo sobre a possibilidade de prorrogar a concessão de um outro benefício, o auxílio emergencial, que acabou em outubro, com a edição de Medida Provisória (MP). Essa MP abriria espaço no Orçamento via crédito extraordinário para arcar com despesas consideradas urgentes.
A estratégia vem sendo discutida de forma reservada no governo, que já fez consultas informais ao TCU. A MP, em tese, dispensaria a edição de um decreto de calamidade pública, instrumento usado para liberar gastos além do permitido em casos como a pandemia.
Com o avanço da vacinação, redução do número de casos da Covid-19 e consequente retorno dos trabalhadores ao serviço, há dúvidas sobre a viabilidade jurídica de se recorrer ao dispositivo. Segundo um ministro do TCU, porém, o governo já teria sido informado de que, a princípio, a Corte se oporia.
Ao GLOBO, parlamentares governistas dizem apostar na aprovação da PEC. Afirmam estar dispostos, inclusive, a flexibilizar o texto para garantir o repasse de recursos que, se represado, atingiria a Educação. A versão do relator Hugo Motta (Republicanos-PB) adiaria o pagamento para estados e municípios dos precatórios relacionados ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Trata-se de um montante de R$ 17,5 bilhões devidos a quatro estados (Amazonas, Bahia, Ceará e Pernambuco) e alguns municípios. Segundo líderes ouvidos pelo GLOBO, porém, não há alternativas regimentais para que esse trecho seja alterado. Há a possibilidade, entretanto, de que os deputados construam uma saída no plenário.
Prazo curto
Entre os alvos do governo para conquistar votos, estão parlamentares de MDB e PSDB, cujas bancadas ainda resistem. A oposição continua contrária ao texto.
— Votaremos contra a PEC por três razões: ela é um calote nos brasileiros que tiveram seus direitos reconhecidos pela Justiça, ela vai retirar bilhões da educação e suspeitamos que ela destine cerca de R$ 20 bilhões para o Orçamento Secreto, o que é um escândalo. Somos favoráveis a garantir recursos para o auxílio, mas não desta forma — diz o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ).
O governo corre contra o tempo. Segundo o ministro da Cidadania, João Roma, o prazo para aprovar a PEC é até a segunda semana de novembro, por questões operacionais, para pagar o Auxílio Brasil. Caso seja aprovada pela Câmara em dois turnos, a proposta precisa passar pelo Senado, onde as condições políticas são ainda mais complicadas.
Bruno Góes e Geralda Doca / O Globo