Enquanto Bolsonaro sente grandes saudades de Donald Trump, Deltan Power Point quer reencontrar Moro, e Ciro pode voltar sozinho para Paris. Só o Centrão dá match com seu grande amor.
E daí? Este 2 de novembro foi um Dia de Finados inédito. Contabilizando mais de 608 mil mortos em menos de dois anos, foi a primeira vez que familiares e amigos puderam expressar coletivamente o luto da tragédia trazida pela Covid-19. A data ajuda a lembrar também que a pandemia ainda não acabou. O que é importante num momento em que há o afrouxamento de medidas preventivas e quando governos, mídia e grande parte da população já iniciaram o aquecimento para o carnaval. Mas, ao contrário do que ocorre no Brasil, muitos países na Ásia, Europa e América estão passando por uma quarta onda da pandemia. Evidentemente, graças à vacinação, esta onda não é tão intensa e mortal quanto às anteriores. Mesmo assim, o Brasil deveria permanecer em alerta. Afinal, países com a vacinação bastante avançada, como o Canadá, que já imunizou 74% da população, também estão presenciando um aumento do número de casos e de mortes. Há ainda outros problemas que o Estado brasileiro parece ignorar. O Brasil destaca-se por ter o segundo maior número de órfãos do mundo, perdendo apenas para o México, situação que foi muito agravada pela pandemia. Sem uma política nacional para enfrentar o problema e com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos aparelhado pela Damares da goiabeira, a tarefa de mapear e dar assistência aos órfãos ficou a cargo de cada estado e município. Outra questão não resolvida é o subfinanciamento do SUS. Segundo o presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde, as previsões orçamentárias para o ano que vem são catastróficas, pois "preveem muito menos recursos do que o necessário para uma eventual campanha de revacinação da população e simplesmente não prevê qualquer recurso para enfrentar os graves desafios do legado da pandemia para o sistema de saúde”.
Porca miseria. A cada giro internacional de Bolsonaro, o mundo tem uma amostra grátis do que temos que aguentar todos os dias: uma figura repugnante e nanica para representar os interesses nacionais. No encontro do G20, na Itália, a presença do capitão foi marcada pelo isolamento. Enquanto Joe Biden fazia praticamente uma cúpula paralela com a União Europeia e mais 14 países após o encontro oficial, Bolsonaro passeava sozinho pelas ruas de Roma. O capitão nem chegou a cruzar o Canal da Mancha para participar da Conferência sobre o Clima (COP 26). Lá, quem se destacou foi a brasileira Walelasoetxeige Paiter Bandeira Suruí, jovem de 24 anos que foi representar os movimentos indígenas. O vácuo deixado pelo governo brasileiro foi ocupado pelos governadores, que foram à conferência fazer lobby para seus projetos ambientais e criaram até uma Coalizão dos Governadores pelo Clima. Quanto ao compromisso assinado pelo governo de reduzir em 50% a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa até 2030, ninguém parece estar levando a sério. Em primeiro lugar porque o Ministério da Agricultura mostra-se insatisfeito com o acordo, sinalizando a oposição de uma parcela do agronegócio. Além disso, a “pedalada climática” feita em 2020 e o corte de 93% dos recursos destinados a estudos e projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas pelo governo sugerem que o compromisso brasileiro é apenas para inglês ver. Na verdade, o passeio de Bolsonaro pela Europa serviu apenas para uma coisa: construir-se como figura pública da extrema-direita mundial. E ele conseguiu, pisando literalmente no pé da direita tradicional, reunindo-se com o líder da extrema-direita italiana Matteo Salvini e espalhando fake news. Se não fosse suficiente, sua presença foi marcada por agressão a jornalistas e repressão a manifestantes. Com tamanha performance, o berço do fascismo deve ter ficado orgulhoso deste descendente latino-americano.
Tá lá o teto estendido no chão. Com malabarismo e gambiarra a PEC dos precatórios passou no primeiro turno na Câmara. É verdade que o governo pode sair do sufoco sobre como fazer o Auxílio Brasil, mas é bom lembrar que o auxílio exclui 18 milhões de pessoas que não migrarão do auxílio emergencial para o novo programa e não resolve o problema de 70% da população que viu sua renda derreter graças à inflação. É verdade que não faltaram carpideiras na Bovespa lamentando a morte do teto de gastos, já que a PEC abre caminho para um drible na regra. Mas é verdade também que apesar de todo choro, com ou sem teto, o mercado financeiro continua ganhando com a política econômica, já que só o que o Banco Central faz para conter a inflação é o aumentar a taxa de juros, que no andar de baixo significa menos consumo, mas na Faria Lima é renda garantida em aplicações financeiras. O economista Davi Deccache alerta que, apesar de transferir renda dos pobres para os ricos, a queda do teto será provisória apenas para as eleições de 2022, voltando à “normalidade” em seguida. Feliz plenamente mesmo, só o Centrão. A votação foi efetivamente a primeira vez que Ciro Nogueira e Arthur Lira entregaram o que prometeram ao governo, depois de perderem na CPI da Covid, na minirreforma trabalhista, na reforma administrativa e tributária. E, no entanto, o mandato do Centrão é um sucesso. Afinal, como corporação de parlamentares, Nogueira não está lá para salvar o governo, mas para garantir o fluxo de emendas e recursos para o Congresso. O tema dos precatórios ainda não acabou e pode esbarrar nos presidenciáveis Rodrigo Pacheco e na manobra arriscada de Ciro Gomes, mas a satisfação dos parlamentares com a dupla Lira-Nogueira é tanta, que nos corredores do Congresso, já se aposta na reeleição de Arthur Lira mesmo em um hipotético governo Lula.
Batman e Robin. A última possibilidade de se produzir um outro candidato de direita competitivo é voltar para a primeira tentativa, a chapa lavajatista liderada por Sérgio Moro. Para viabilizar uma candidatura da “terceira via”, segundo o cientista social Maurício Moura, é preciso eleitorado no sudeste, recursos para a campanha e queda de Bolsonaro. Moro tem a simpatia no primeiro item e não vai se preocupar com o segundo, já que conta com a movimentação de ONGs empresariais como Grita e Brasil Consciente, além da ação do dono do Positivo, Oriovisto Guimarães. E mais, o Batman ganhou apoio de seu Robin, Deltan Dallagnol, que abandonou o MPF para entrar na vida política, confirmando que a força-tarefa era mesmo um partido e animando até o desaparecido Rodrigo Janot. Já no quesito anti-Bolsonaro, é um pouco mais difícil. Como se viu no depoimento de Bolsonaro à PF, que em parte confirma a acusação de Moro de que o capitão aparelhou a instituição, mas também revelou que o ex-juiz queria sua vaga no STF. Além disso, há dois problemas mais graves no seu caminho. Primeiro, o centro da pauta eleitoral deverá ser a economia. O eleitor quer alguém que resolva a profunda crise econômica e se há espaço para alguém fora da polarização será para quem apresentar soluções para o crescimento e geração de empregos. Um tema que Moro não entende absolutamente nada. E, segundo, os tempos áureos da Operação Lava Jato ficaram para trás. Mas não os rancores. As soberbas que Moro e Dallagnol exibiram no passado devem fechar as portas para partidos mais robustos e tradicionais, como DEM em fusão com o PSL, e o Podemos deve ter dificuldades para garantir uma candidatura forte com alianças fracas.
O Ponto é uma das iniciativas do Brasil de Fato / Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.