Para defender a não obrigatoriedade do uso de máscaras em academias nos dias atuais, bastaria recorrer aos números da covid-19 no país, que em geral indicam um bom prospecto para flexibilizações.
Não foi o caminho adotado no texto de opinião "Máscaras nas academias: por que já passou da hora de liberar o uso", publicada por colunista do UOL na última quarta (9/03). Supervalorizando experiências pessoais em detrimento de dados científicos, o artigo pôs em dúvida a eficácia das máscaras na prevenção de infecções, atribuiu ao seu uso sérios riscos à saúde e atestou a total segurança das academias.
A seguir, contrapomos pontos expressos no texto com evidências sobre o assunto.
A academia é um ambiente totalmente seguro?
Em ambientes fechados, aglomerados e pouco ventilados —nos quais se enquadram boa parcela das academias—, é maior o risco de transmissão do vírus da covid-19. Soma-se a isso o fato de que o esforço físico aumenta a quantidade expelida de gotículas, que podem conter partículas virais, elevando a probabilidade de infecção.
Em uma academia de Chicago (EUA), por exemplo, 68% dos usuários foram infectados em curto intervalo. Surtos em aulas de dança, bike spinning e squash também foram documentados.
Para mitigar o risco de infecção nesses locais —que são consensualmente reconhecidos como não seguros—, cientistas recomendam o uso de máscaras durante a prática de exercícios.
Máscaras prejudicam o desempenho físico?
No ano passado, cientistas canadenses revisaram sistematicamente os estudos que abordaram a questão. Vinte e dois trabalhos envolvendo mais de 1.500 participantes foram incluídos na análise. Os resultados apontaram que o uso de máscaras ou respiradores (PFF2 ou N95) não prejudicam o desempenho físico, embora aumentem a percepção de esforço e dificultem a respiração.
Nosso grupo de pesquisa da USP (Universidade de São Paulo) também conduziu estudos sobre o tema. Num primeiro momento, demonstramos que o uso de máscara de tecido (que são eficazes) não prejudicou o desempenho no treinamento de atletas saltadores e corredores. Em seguida, observamos mínimas alterações respiratórias e cardiovasculares em não atletas e em sedentários durante o exercício com máscara. Recentemente, analisamos crianças saudáveis que se exercitaram com o item de segurança e não identificamos alterações relevantes nas respostas fisiológicas ou na sensação de cansaço.
Um estudo da Universidade Federal do Piauí —interpretado de forma diferente da nossa pela coluna— avaliou o impacto do uso de respiradores PFF2/N95 em praticantes de musculação. Com o uso da máscara, houve uma ligeira redução na velocidade de propulsão da barra no exercício de supino, mas a carga de peso levantada pelos participantes não sofreu alteração. O achado não surpreende, pois as pequenas perturbações no padrão respiratório ocasionadas pelo uso da máscara apresentam baixa relação com o desenvolvimento da força.
Máscaras causam danos à saúde?
No início da pandemia, pesquisadores indianos descreveram diversos mecanismos pelos quais o uso da máscara durante o exercício poderia prejudicar a saúde. O artigo, bastante explorado pela coluna, foi publicado no periódico Medical Hypotheses (Hipóteses Médicas, em tradução livre). Um dos princípios básicos do método científico diz que a comprovação de hipóteses demanda dados. E o que eles nos indicam?
Estudos realizados com pessoas treinadas que o usaram máscara não foram capazes de identificar nenhum tipo de sintoma ou alteração funcional que pudessem ensejar alguma preocupação com a saúde. Essas conclusões se estendem a crianças e idosos.
Pesquisas adicionais com pessoas com comorbidades cardíacas e pulmonares seguem sendo necessárias, porém, mesmo em protocolos de reabilitação cardíaca, o uso de máscara tem sido recomendado.
Uma recorrente preocupação com o uso de máscaras durante o exercício é a possível redução na saturação de oxigênio (SPO2), que representa a quantidade desse gás circulante no sangue. No entanto, as pesquisas que avaliaram esse parâmetro não detectaram alterações clinicamente significativas, o que também se aplica a pacientes com doença pulmonar crônica.
Pessoas que se exercitam com a máscara dificilmente atingem valores inferiores a 95% de SPO2. Se compararmos esses valores aos observados nos 3.600 metros de altitude de La Paz (Bolívia), onde a SPO2 alcança 75% e, ainda assim, eventos esportivos são realizados, podemos concluir que a flutuação da SPO2 com a proteção facial ocorre dentro de uma faixa fisiológica e, portanto, não suscita preocupações.
Ao contrário do que muitos imaginam, a exposição crônica ao ar rarefeito aprimora a capacidade de transporte de oxigênio e, eventualmente, possibilita uma melhora do rendimento. Nesse contexto, poderíamos até especular que o treinamento regular com a máscara resultaria em adaptações fisiológicas benéficas, como, por exemplo, a melhora na função de músculos respiratórios. De fato, dados obtidos com máscaras que simulam a altitude —utilizadas por atletas bem antes do início da pandemia— subsidiam essa hipótese.
Para concluir
Atribuir o aumento de inatividade física durante a pandemia ao uso de máscaras nas academias é uma falácia que não encontra nenhum respaldo na ciência.
Ainda que algumas pessoas encontrem dificuldade em se exercitar em altíssimas intensidades e por longos períodos com o uso da proteção, isso não as impediria de alcançar os níveis recomendados de atividade física para a manutenção da saúde —150 minutos de atividades moderadas a vigorosas por semana. Ademais, as atividades em ambientes fechados estão longe ser as mais praticadas no Brasil; ficam atrás, por exemplo, da caminhada e do futebol.
Ao longo da pandemia, os cientistas e especialistas que se posicionaram favoravelmente ao uso de máscaras nas academias foram frequentemente taxados como "opositores ao exercício". Non sense! Analogamente, seria o mesmo que condenar aqueles que defendem o uso do item de segurança nos hospitais a "inimigos da medicina". É preciso romper com esse tipo de irracionalidade ideológica e entender, de uma vez por todas, que as medidas baseadas em evidência —e não as convicções pessoais— são a única saída desta pandemia.
Como vivemos numa era em que obviedades precisam ser ditas, é necessário enfatizar que a recomendação do uso de máscaras em academias tem como objetivo prevenir infecções de usuários e trabalhadores do setor.
Como aponta a ciência, o item de segurança cumpre bem esse papel, não traz riscos à saúde e, embora traga algum desconforto, é perfeitamente tolerável. Um trade-off justo, não é mesmo?
Portanto, o único bom motivo para abrirmos mão das máscaras faciais seria o efetivo controle da pandemia, que, felizmente, parece se aproximar. Usar deste momento pandêmico favorável para colocar em dúvida medidas científicas de prevenção da covid-19 que nos são tão caras é um oportunismo inadmissível.
*Bruno Gualano é professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). Fisiologista, conduz estudos sobre promoção de estilo de vida saudável para populações clínicas.
*Daisy Motta Santos é orientadora do Programa de Pós Graduação em Ciências do Esporte da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), professora da PUC Minas (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e participa de estudos clínicos sobre a covid-19.
Bruno Gualano e Daisy Motta Santos
VivaBem Uol - Coluna
** ESTE TEXTO NÃO REFLETE, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO UOL