Por José Alexandre Altahyde Hage (*)
O termo Guerra nas Estrelas é utilizado para se compreender o enfrentamento entre Estados Unidos e União Soviética nos anos 1980, na chamada Segunda Guerra Fria, na qual o governo norte-americano, de Ronald Reagan, jogou cartada definitiva para dobrar a vontade de Moscou em continuar na disputa pela hegemonia mundial: o desmedido gasto em alta tecnologia militar.
Embora os esforços soviéticos em tecnologia militar fossem relevantes, seu orçamento não estava à altura para ser comparado àquilo que a Casa Branca direcionava para o mesmo assunto. Ao procurar não ficar para trás nos gastos bélicos, o poder soviético destinava recursos financeiros análogos ao do grande adversário, mesmo com um produto interno bruto bem inferior. Dentro de determinada análise, foi justamente o forte empenho soviético em querer contra-atacar com projeto próprio, o Guerra nas Estrelas, que ajudou a concluir a Guerra Fria e, de carona, a União Soviética, do governo Mikhail Gorbatchov, que acabou sendo desacreditado perante boa parte da opinião pública em uma Rússia que procurava sair dos escombros em 1991.
Na verdade, o argumento de Reagan, de que o Estado norte-americano estaria inventando novo projeto de poder, com armamento muito sofisticado, não passou de engodo para atrair a União Soviética, uma vez que não havia intenção nem condições de haver aquele escudo para proteger os Estados Unidos em uma hipótese de ataque militar por parte da União Soviética. Moscou acelerou enormemente seus gastos para não ficar atrás e, por isso, se perdeu.
Pois bem, neste mês de maio de 2022, na guerra entre Rússia e Ucrânia, há a impressão de que os Estados Unidos e a Europa Ocidental, sob o guarda-chuva da Otan, procuram reproduzir o instrumento de desgaste dos anos 1980 para fazer o governo Putin se desgastar economicamente em uma guerra lenta e prolongada. Desta forma, a Rússia teria que despender gastos econômicos grandiosíssimos para poder continuar no conflito armado, já por si bastante custoso e caro.
Cumpre lembrar que o produto interno bruto russo é análogo ao brasileiro, portanto, de uma potência média e longe de ombrear com os recursos econômicos dos Estados Unidos ou da União Europeia. Assim, mesmo considerando a Rússia como a segunda maior potência militar do mundo, aquilo que ela consegue gastar no orçamento militar não daria para se manter aguerrida na Ucrânia.
Por outro lado, o que contribuía para que Moscou continuasse na guerra, de modo paradoxal, era justamente a venda de gás natural russo para grande parte dos membros da União Europeia, principalmente Alemanha e Áustria, bastante dependentes daquele insumo. O fato de o Velho Continente ter continuado comerciando gás com a Rússia suscitava críticas por parte de alguns aliados e dos Estados Unidos, país superavitário tanto em petróleo quanto em gás natural.
Desta forma, a guerra da Ucrânia demonstra, mesmo que involuntariamente, um impasse político-econômico. Isto porque a região, em grande parte, depende de gás natural para continuar existindo razoavelmente em economia, mas também tem que demonstrar lealdade ao grande parceiro do outro lado do Atlântico, que cobra mais desdobramento dos aliados ocidentais.
Por conta disso, os resultados político-econômicos podem ser desiguais e confusos para aqueles que se empenharam de alma contra a Rússia. É claro que Moscou está passando por incrível desgaste econômico, em virtude, entre outras coisas, de sua retirada do sistema financeiro internacional. Há cálculos que estimam os gastos diários russos, na guerra, na casa dos 500 milhões de dólares. Eis a perspectiva ocidental para esperar que Putin abandone a guerra e caia em desgraça perante a elite política de seu país. Essa é a grande aposta dos ocidentais.
Resultados desiguais e confusos pelo motivo de que o prejuízo já tem endereço certo. Sob o aspecto econômico não só a Rússia perde. Deve perder muito mais a própria União Europeia. A perda da região não será somente econômica por ter boicotado os hidrocarbonetos russos de que tanto necessita; o desgaste deve existir também no campo político, visto que pode revelar a apatia e a impotência da União Europeia em ter projeto estratégico próprio desligado de Washington.
Na verdade, poucos analistas acreditam que a União Europeia possa demonstrar poder em face da Guerra da Ucrânia, da China e dos Estados Unidos. Por exemplo, o fato de a Alemanha, de boa vontade, ter aberto mão de produção nacional de energia (como a nuclear) para privilegiar a aliança com o Partido Verde e, assim, adotar o gás natural como elemento de transição para algo hipotético e perigoso para um grande país europeu, chamado green power, já é sintomático para perceber o impasse europeu, como área que era famosa na projeção de poder e influência.
Com efeito, quem pode ganhar com tudo isso, ainda que sejam ganhos relativos? Os Estados Unidos podem lucrar com a guerra na medida em que sua economia está em aquecimento em dois itens: setor industrial-militar, já que está com produção praticamente garantida para a guerra do leste europeu; e hidrocarbonetos, que são exportados para a União Europeia, uma vez que não haverá o energético russo. Ganhadora também será a China, por ter se tornado a “oficina do mundo” e, praticamente, influenciar a cadeia mundial de produção e poder segurar as mercadorias para alcançar altos preços no mercado internacional.
É claro que tudo isso deverá ter efeito colateral e perturbar enormemente quem não tem muito a ver com tudo isso. Boa parte daquilo que antes se chamava Terceiro Mundo deve sofrer pela alta de inflação sem ter instrumentos de compensação. Tais países deverão pagar mais caro pela alimentação importada, por insumos agrícolas que não produzem, bem como produtos manufaturados que estão sendo segurados pelos serviços portuários chineses, como comentamos acima.
Para concluirmos, eis o que pode acontecer para dar motivo a uma “lei” da geopolítica na qual a grande potência dos mares, a baleia norte-americana, mais alguns golfinhos, procura enfrentar o forte urso dos domínios territoriais euroasiáticos. Na espreita, alguém deve lucrar com os destroços, talvez o dragão asiático que poderá oferecer seus préstimos ao ganhador do grande jogo.
(*) José Alexandre Altahyde Hage é professor do Departamento de Relações Internacionais da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) -- Campus Osasco/SP.