Compra de imóveis com dinheiro vivo: o combate à corrupção exige medidas específicas

“Quase metade do patrimônio em imóveis do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) e de seus familiares mais próximos foi construída nas últimas três décadas com uso de dinheiro em espécie, de acordo com levantamento patrimonial realizado pelo UOL. Desde os anos 1990 até os dias atuais, o presidente, irmãos e filhos negociaram 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com uso de dinheiro vivo, segundo declaração dos próprios integrantes do clã”.

Jair e os filhos Eduardo, Jair Renan, Carlos e Flávio. Foto: arquivo pessoal

Atualmente, tramita no Congresso Nacional medida legislativa destinada a limitar a utilização de dinheiro em espécie para efetivação de operações imobiliárias. Persegue-se, com a referida proposição, a prevenção de ocorrências de lavagem de dinheiro ou ocultação de patrimônio.

Vale destacar que entre as 70 (setenta) “novas medidas contra a corrupção”, elaboradas por mais de 200 especialistas e quase 400 instituições da sociedade civil, consta a “regulação da circulação de dinheiro em espécie”. A proposta, inspirada em definições legislativas da mesma natureza existentes nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Portugal, Itália, Grécia e Bélgica, propõe a vedação: a) de uso de dinheiro em espécie em transações de qualquer natureza que envolvam montantes superiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais); b) do trânsito de recursos em espécie em valores superiores a R$ 100.00,00 (cem mil reais), salvo situações específicas e c) da posse de dinheiro vivo em valores superiores a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), salvo situações específicas.

LEIA TAMBÉM

Existe um virtual consenso entre as análises e estudos sobre a corrupção, constatação confirmada por inúmeras operações e investigações do Ministério Público e da Polícia Federal, que o manuseio de valores em espécie é uma das principais formas de lavar dinheiro e fazer circular propinas e recursos com origem ilícita.

A corrupção no Brasil é sistêmica. Trata-se de um fenômeno grave, complexo e profundamente inserido nas práticas sociais e políticas, notadamente estatais. Assim, o combate às práticas corruptas e correlatas é fundamental e permanente, independentemente de considerações político-partidárias.

Nesse árduo e longo processo de combate à corrupção e aos corruptos, para fazer recuar os níveis da malversação rumo à sua eliminação ou fixação em patamares muito baixos, cinco perspectivas precisam ser devidamente sopesadas.

Primeiro, não parece ser mais eficiente gastar a maior parte das energias em medidas repressivas ou punitivas. A repressão, se bem sucedida, retira o corrupto de circulação. Como não atua sobre as causas do fenômeno, abre espaço para que novos corruptos ocupem as posições que vagaram nas engrenagens da malversação.

Segundo, os instrumentos preventivos são muito mais eficientes, embora nada pirotécnicos. Medidas de incremento da transparência, fortalecimento dos controles social e estatal (interno e externo) e vedações ou regulações estritas para certas práticas são mecanismos que cortam o oxigênio da corrupção.

Terceiro, é preciso compreender que o combate às malversações é um processo demorado e penoso protagonizado pelo conjunto da sociedade. São necessárias medidas específicas construídas a partir de profundos diagnósticos técnicos. Não se trata de uma cruzada santa de conversão de almas do mal para o bem ou da ação de vestais, salvadores da Pátria ou paladinos da ética.

Quarto, é imperioso investir na educação e na construção de valores de convívio humano que apontem para a solidariedade, a compreensão e o bem de todos. A cultura individualista e largamente disseminada da busca de se levar vantagem, de forma lícita ou ilícita, contra tudo e contra todos precisa ser fortemente combatida.

Quinto, a corrupção não deve ser considerada o principal problema do Brasil. A profunda e inaceitável desigualdade socioeconômica, manifestada  nos seus níveis mais cruéis como pobreza e fome, ocupa esse indesejável posto. A iníqua distribuição de renda no Brasil é a pior e mais relevante mazela a ser extirpada da realidade socioeconômica brasileira.

Na linha apresentada, aproveitando a experiência de ter ocupado vários postos de controle da administração publica, formulei dezenas de propostas específicas de combate, notadamente preventivas, às várias formas de malversação da coisa pública. Essas reflexões e proposições podem ser encontradas no meu site no seguinte endereço eletrônico: aldemario.adv.br.

Listo algumas dessas proposições mais significativas. São elas: a) redução drástica do número de cargos de livre nomeação; b) processos seletivos para cargos e funções comissionadas remanescentes com critérios rígidos de natureza técnica e ética; c) sob pena de responsabilidade, o gestor que ordenar a realização de qualquer pagamento deve assegurar a publicidade do processo administrativo pertinente; d) divulgação da evolução patrimonial global dos servidores que ocupam funções sensíveis no processo de decisão da Administração Pública; e) implementação de conselhos de transparência e controle social, por ente da Federação, composto exclusivamente por entidades da sociedade civil; f) criação de conselhos populares junto a cada órgão público prestador de serviços diretamente ao cidadão e g) fortalecimento das funções administrativas de controle interno, notadamente com mecanismos de autonomia e distância do jogo político e das pressões dos governantes.

Insisto que o combate enérgico a todas as formas de corrupção, malversação e improbidade deve ser efetivado em conjunto com o esforço mais nobre de construção de uma sociedade livre, justa, solidária e sustentável. O caminho para essa construção envolve necessariamente altas doses de organização, mobilização e conscientização populares.

AUTORIA

Aldemario Araujo Castro /aldemario@congressoemfoco.com.br

Postagem Anterior Próxima Postagem