A Abin utilizou por três anos o 'FirstMile', que oferecia à agência a possibilidade de vigiar os passos de até 10 mil pessoas por ano com base em informações de celulares
Por Dimitrius Dantas — Brasília
Fachada da Abin. Foto 👆 Agência O Globo
A Polícia Federal vai apurar a utilização de um programa secreto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) capaz de monitorar a localização de cidadãos em todo o país, mas não será a primeira vez que a ferramenta entrará no foco de um inquérito. Em 2019, uma operação que mirava o vazamento de informações sigilosas de investigações em Santa Catarina se deparou com o mesmo tipo de espionagem clandestina.
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Uma mensagem de voz obtida pela PF durante a Operação Chabu mostrou na prática como um gerente de uma empresa que vendia equipamentos de espionagem conseguia acessar a localização de qualquer pessoa no país apenas com base no número de celular. A empresa que ele representava era a Suntech, a mesma que, um ano antes, havia vendido o "First Mile", o programa espião, para a Abin.
Como revelou o GLOBO, a Abin utilizou por três anos o "FirstMile", que oferecia à agência a possibilidade de vigiar os passos de até 10 mil pessoa por ano com base em informações de aparelhos celulares. O órgão, contudo, não possui autorização legal para acessar dados privados.
No ano passado, dois ex-representantes da Suntech viraram réus em uma ação penal sob acusação de vender dados confidenciais de investigações para políticos e empresários. Eles deixaram a empresa após a operação.
Entre as provas colhidas estão áudios trocados entre os dois que, segundo apontou a PF, indicam que eles possuíam acesso à localização de alvos por meio de dados transferidos pelos aparelhos celulares às chamadas Estações Rádio Base (ERB), torres que fazem a conexão com as operadoras de telefonia.
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"O negócio é golpe, provavelmente de dentro da penitenciária. Eu estava vendo a localização do celular do cara. O celular dele está em Campo Grande (...) Da ERB onde ele está acampado dá 7 km da Penitenciária de Trânsito ali em Campo Grande", afirma trecho de mensagem trocada entre os dois ex-representantes da empresa sobre um número de telefone que eles monitoravam
Ao aceitar a denúncia, em junho do ano passado, a juíza Janaina Cassol Machado, da Justiça Federal de Santa Catarina, afirmou que os dois utilizavam sua condição de representantes do programa de vigilância para oferecer "acesso indevido a informações sigilosas de investigações criminais".
"A fala dá indícios de que Luciano da Cunha Teixeira possui acesso às EBR - Estação Rádio Base - de todo o país. Note-se que o investigado identifica com precisão, a partir de seu estado de origem, que o usuário de determinada linha telefônica está realizando a ligação de um ponto específcio da cidade de Campo Grande. Ainda não há elementos para que seja possível apontar de forma segura o método por ele utilizado para acesso a posição georreferenciada dos proprietários de linhas de telefone celular", afirma a juíza em sua decisão.
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Os dois ex-representantes da Suntech não participaram da negociação com a Abin. Na ocasião, a fabricante da ferramenta foi representada por Caio Cruz, filho do general Santos Cruz, ex-ministro no governo de Jair Bolsonaro.
Procurada, a Suntech não se manifestou sobre as investigações envolvendo seus ex-representantes.