Ninguém solta a mão de ninguém?

Olá, Lula foi eleito por uma frente ampla pela democracia que envolvia de catadores à banqueiros bilionários. Mas na hora de enfrentar os dilemas econômicos, ela permanecerá coesa?

.Geringonça. Em contagem regressiva para os primeiros cem dias, uma parte importante do programa que formou a frente ampla que elegeu Lula está em curso: desbolsonarizar o Estado e a sociedade, tarefa acelerada inclusive pela intentona de 8 de janeiro. Porém, o governo não poderá se sustentar por quatros anos apenas reconstruindo as ruínas do Estado brasileiro. Especialmente quando a economia apresenta a conjunção para uma “tempestade perfeita” de crise: impacto da guerra da Ucrânia no comércio mundial, queda da economia nos Estados Unidos, tendência de queda nos preços dos commodities, crise do crédito pela inadimplência dos consumidores e persistência de juros altos pelo Banco Central. A estimativa mais otimista do mercado financeiro para o PIB é de um crescimento de 1,5% neste ano. Mas, nos bastidores, o mercado não imagina sequer 1% e ninguém acredita que o Banco Central vá baixar os juros abaixo dos atuais 13,75%. Por outro lado, Lula já deixou evidente tanto que tem pressa para implementar os programas sociais, quanto que está disposto a comprar briga com a Faria Lima. Mas de nada adianta Lula ter o apoio de um prêmio Nobel de economia se, dentro de casa, ele enfrenta a batalha sozinho, contando apenas com seu capital político e eleitoral. Na construção de uma frente ampla pela economia, o governo sabe que precisa, mas não pode contar com o Congresso. Nem confiar na própria base. Vide o PSD e o União Brasil, que ganhou dois ministérios que só criam problemas e não garantem fidelidade nas votações. Além disso, passada a tempestade lava jatista bolsonarista e as reformas eleitorais, os próprios partidos estão se reposicionando, ideológica e institucionalmente, seja atraídos pelo pólo governista, seja tentando ocupar o vazio deixado à direita por Bolsonaro e pelo PSDB. Ou as duas coisas ao mesmo tempo, no caso da fusão do União Brasil com o Progressistas.

.Ando devagar, mas tenho pressa. O protagonismo de Lula é importante quando não se tem um programa que garanta a unidade numa frente ampla que vai do PSOL ao União Brasil. O episódio sobre os preços dos combustíveis é exemplar. Favorável à retomada dos tributos, Haddad foi alvejado em público pelos colegas Gleisi Hoffmann, presidenta do PT, e Zeca Dirceu, líder da bancada. Os dirigentes petistas temiam que a volta dos tributos - zerados na marra por Bolsonaro para alavancar a própria eleição - resultasse em queda de popularidade do presidente. A decisão de Lula pode parecer salomônica, retomando parte da reoneração, mas a verdade é que ele foi convencido pelo argumento de Haddad: priorizar o transporte coletivo, mantendo o diesel isento; punir o ambientalmente injusto, a gasolina; e incentivar o ecologicamente correto, o etanol. Além disso, ao aumentar o imposto sobre exportação, o ministro garantiu sua meta de arrecadação sem passar todo o custo para o consumidor. De quebra, o mercado rebaixou a meta da inflação. Vitorioso, Haddad aproveitou para cutucar o Banco Central e cobrar a queda na taxa de juros. O plano do ministro da Fazenda é público: pôr a casa em ordem na política fiscal e monetária, simplificar o sistema tributário, fazer a economia crescer com ampliação do comércio internacional e financiar a reindustrialização com os fundos do hemisfério norte para a preservação ambiental. O seu problema é o tempo. Lula gostaria de ver as coisas mais rápidas e menos graduais. Os próximos testes para Lula, Haddad e o governo já estão na ordem do dia: a nomeação dos novos diretores do Banco Central, apresentação da nova regra fiscal e aprovação da reforma tributária.

.Quebrando os ovos. O mercado já começou a ter pesadelos com a possibilidade de mudanças mais profundas na política da Petrobras. O alvoroço desta semana é na verdade um teste de forças para definir a composição da nova diretoria da petroleira, já que o atual presidente, Jean Paul Prates, indicado por Lula em dezembro do ano passado, só assumirá o comando efetivamente com a posse do novo conselho prevista para abril. Somente aí se saberá se o governo terá força para implementar alguma mudança de rumos na Petrobras. Inicialmente, sob protestos da FUP, quem tinha levado a melhor era o centrão, emplacando seus aliados no conselho, com a ajuda do Ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira (PSD). Porém, Lula recuou, adiou a data de posse da diretoria e anunciou novos nomes, mais próximos ao campo petista. Três temas já estão na pauta do governo e poderão avançar a depender do resultado da disputa. O primeiro é a absurda distribuição de dividendos aos acionistas da petroleira, mais de R$ 35,8 bilhões em 2022, assunto tabu que sempre que é levantado causa dores de barriga no mercado. O segundo, é a política de paridade internacional dos preços (PPI) que já entrou na agenda da base aliada esta semana. A posição de Lula e do PT sobre o assunto não é segredo para ninguém - desvincular o preço interno do externo - e o assunto esteve em pauta durante a campanha eleitoral. O terceiro tema é uma revisão do plano estratégico da Petrobras aprovado no apagar das luzes do governo Bolsonaro. Uma mudança dessa magnitude permitiria recuperar subsidiárias privatizadas, garantir a autonomia do Brasil no refino de combustíveis e na produção de fertilizantes, assim como operar a recompra das ações que hoje estão nas mãos de especuladores. A decisão de suspender por noventa dias a venda de ativos da Petrobras é parte da queda de braços de Lula com o mercado, mas mostra que mexer no plano estratégico da petroleira não está fora das pretensões do governo. Por fim, se tudo der errado, Haddad promete que é possível criar um colchão para amortecer a inflação dos combustíveis sem mexer no vespeiro.


.Legalistas, pero no mucho. Não só de desafios econômicos vive o governo. Mesmo que o terceiro turno do bolsonarismo tenha fracassado depois do fatídico 8 de janeiro, há ainda muito trabalho pela frente para superar o passado. No Congresso, a base bolsonarista dá sequência a seus planos de instalar uma CPI dos atos golpistas sob seu controle. A jogada é tentar fazer o rabo balançar o cachorro, responsabilizando o próprio governo pelo atentado às instituições ocorridos em Brasília. O risco de uma CPI num Congresso como este é a paralisação do processo legislativo e uma crise de governabilidade. Mas o principal nó continua sendo a questão militar. Parte da estratégia de Lula tem sido desmontar o “Estado profundo” comandado pelo gen. Heleno, retirando a Abin do controle do GSI para subordiná-la à Casa Civil. Desde o início o governo vem agindo também no sentido de pinçar um setor considerado legalista para os postos de comando das forças armadas a fim de frear o espírito golpista geral. Foi o que ocorreu com a substituição do gen. Júlio Cesar de Arruda pelo gen. Tomás Paiva no comando do Exército. Alguns frutos simbólicos desta decisão estão sendo colhidos, como a abstenção do Exército de comemorar o golpe militar este ano. O problema é que um áudio vazado recentemente mostra que Paiva pode não ser tão legalista assim. E, coincidentemente, o vazamento ocorreu bem no momento em que Alexandre de Moraes decidia que os militares envolvidos nos atentados de 8 de janeiro seriam julgados pelo STF e não pela Justiça Militar. É possível que as forças armadas tenham ficado furiosas e simplesmente sido obrigadas a engolir a decisão e fingir concordância. Porém, também é verdade que um julgamento pela justiça civil é mais conveniente, já que permite aos militares se absterem de punir seus companheiros de farda. Mais um ponto para Alexandre de Moraes.

.Ponto Final: nossas recomendações.

Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
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