Aprovação do novo arcabouço fiscal veio com um gosto amargo para a esquerda - Lula Marques 📸/ Agência Brasil.
A aprovação do novo arcabouço fiscal destravou as relações do governo com o Congresso, mas o preço a pagar pela governabilidade será alto.
O dia do sacrifício. Depois de meses de dúvidas, e com o saldo de uma derrota no PL das Fake News, finalmente o governo conseguiu formar maioria no Congresso. Mas a aprovação do novo arcabouço fiscal, a grande aposta para destravar a economia, veio com um gosto amargo para a esquerda. O placar na Câmara revela as ambiguidades: um terço da bancada do PL votou com o governo, assim como o PSB e PDT, que saíram fortalecidos; o PSol votou contra, e na bancada petista, os votos favoráveis não foram capazes de silenciar o tom das críticas. O problema é o seguinte: se o carcomido teto de gastos era simples e não escondia seu neoliberalismo tosco, o novo arcabouço fiscal nasceu ambíguo, cheio de “poréns” e ainda foi retalhado nas negociações com o Congresso. O governo segue apostando que a medida contribuirá para aumentar o investimento público, mas os críticos à esquerda dizem que ele já se tornou o seu contrário e será uma nova camisa de forças para o governo. Claro que algumas medidas são positivas, como a retirada do salário mínimo do cálculo de despesas, garantindo aumentos reais anualmente, e seria exagero dizer que ele é tão ruim quanto o teto. Mas outras áreas, como o Fundeb, o Bolsa Família, e o piso da enfermagem, terão que disputar o curto orçamento geral. Além disso, os gatilhos e contrapesos criados para o caso descumprimento das metas fiscais são os velhos conhecidos arrocho sobre servidores e cortes sobre serviços públicos e política social. Para além da questão econômica, pesou a política. A aprovação do novo arcabouço destrava o processo legislativo, garante uma vitória para Lula, mas ainda maior para Fernando Haddad que se consolida como o ministro moderado capaz de conciliar interesses do governo, do Congresso e do mercado. A medida sinaliza a boa vontade do governo em arrumar a casa, desmontando o argumento do presidente do Banco Central para não reduzir a taxa Selic. Por isso, a pressão sobre Campos Neto tende a aumentar, mas não há resultado palpável no horizonte, nem mesmo a garantia de que o sacrifício saciará a fome do mercado por mais austeridade.
Alexandre, o Pequeno. A vitória avassaladora do novo arcabouço nem de longe reflete a verdadeira situação do Planalto no Congresso. Nos cálculos de Thomas Traumann, o governo não tem nem 257 deputados fiéis que formem maioria simples na Câmara para aprovar seus projetos. Na verdade, quem saiu fortalecido foi Arthur Lira, que já correu para alardear o novo empoderamento do Congresso. Neste cenário, Lula fica entre os riscos da paralisia ou da chantagem permanente à base de emendas, como o R$1 bilhão desembolsado nas últimas semanas. Prova disso é que a MP que visava reestruturar a organização dos Ministérios foi desfigurada pelo relator Isnaldo Bulhões (MDB-AL) tirando a demarcação de terras indígenas do Ministério dos Povos Originários, dividindo as atribuições da CONAB, tirando o Cadastro Ambiental do Meio Ambiente, mandando o Carf para o Banco Central, vinculando a ABIN novamente ao GSI, entre outras gambiarras. O que não é mais do que “implementar o governo Bolsonaro no governo Lula”, definiu Marina Silva. Ou também parte da conta para o Congresso aprovar o novo arcabouço fiscal e colocar em pauta a reforma tributária. Mesmo apanhando, o ministro Alexandre Padilha parabenizou o agressor e elogiou as mudanças propostas na MP. Aliás, Padilha é o único consenso entre os parlamentares. Seja no Senado ou na Câmara, o descontentamento com o Ministro das Relações Institucionais é unânime. Outra frente de desgaste do governo, como previsto, são as CPIs. Na CPI do golpe, o único consenso entre situação e oposição é de que os militares não devem ser convocados, o que é mais ou menos como fazer feijoada sem feijão. Já a CPI do MST se tornou, também como previsto, um circo de horrores, com direito a crítica a um suposto Projeto de Lei do Incesto. E onde Xandinho não age, sobra para o Xandão: Alexandre de Moraes fez mais um favor para o governo e autorizou que a PF investigue o presidente da CPI do MST Coronel Zucco por participação nos atos golpistas.
Tratoraço. Não há nenhuma dúvida de que recuperar o papel ativo do Brasil nas relações internacionais era uma das prioridades do governo Lula. E a agenda do presidente nos primeiros meses comprova isso: Estados Unidos, China, parceiros continentais e agora a reunião do G7. Numa conta simples, Bolsonaro teve 38 reuniões bilaterais em 4 anos, enquanto Lula teve 11 em 3 dias no G7. Porém, o maior obstáculo do governo não é abrir caminho nos fóruns internacionais ou apresentar-se como mediador da guerra da Ucrânia, e sim ajustar a política interna à imagem externa. Pois, mais do que um cartão de visitas, a questão ambiental é o chapéu para arrecadar recursos internacionais. Um dos objetivos da participação no G7, por exemplo, era justamente ampliar os doadores para o Fundo Amazônico. Mas o preço de aprovação do arcabouço fiscal foi rifar parte da política ambiental, esvaziando os poderes do Ministério do Meio Ambiente e fortalecendo exatamente o setor mais responsável pela destruição ambiental, o agronegócio. Aproveitando o recuo do governo, a bancada ruralista decidiu “passar a boiada” e aprovar de forma acachapante tanto a urgência na votação do projeto que regula o Marco Temporal nas demarcações indígenas, quanto a MP que permite maior desmatamento da Mata Atlântica. O tratoraço se estendeu à CPI do MST, onde a oposição não autorizou a base governistaa divulgar informações sobre a dívida ativa, financiamento e multas ambientais de empresas ligadas ao agronegócio. Mas não é só a Bancada do Boi que cria problemas para a pauta ambiental. O próprio governo dá sinais contraditórios, quando Lula simpatiza com a exploração de petróleo na foz do Amazonas ou incentiva a produção de carros populares sem restrição aos veículos de combustível fóssil, apesar dos discursos de que o país investirá na “economia verde”.
Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.