Além de 'fortalecer a democracia e a economia', Lula precisa estar atento à segurança pública e se manter distante da "pauta comportamental", diz Helena Chagas
A derrota do fascismo nas eleições do ano passado, muito provavelmente evitando que o país mergulhasse numa ditadura, deu a alguns esperanças de que as trevas fossem página virada. Quase um ano após a vitória de Lula, porém, constatamos que não. Embora minoritárias, as forças da extrema direita — o fascismo — nos esperam em cada esquina, seja nas redes, nas ruas violentas das grandes cidades ou no debate ideológico-comportamental que alimenta a militância troglodita. Como já dissemos, elas não representam a maioria do povo brasileiro, de índole pacífica, generosa e não preconceituosa, mas majoritariamente conservador na área dos costumes — e, por isso, presa fácil de um discurso eleitoral que pode, futuramente, reaglutinar o centro conservador e a direita.
Os últimos meses mostraram que todo cuidado é pouco, e que há muito a fazer para que se chegue a 2026 sem nuvens golpistas no horizonte. Jair Bolsonaro ficou inelegível, mas ainda tem fatia considerável de apoiadores e pode vir a ser eleitor importante no pleito municipal. Basta entrar numa igreja evangélica para se perceber isso. O Congresso de centro direita oscila entre benesses que arranca do governo e posições alinhadas ao mercado e à pauta comportamental conservadora. O STF, garantia não só da democracia como de avanços de viés humanista e progressista, é alvo da cúpula do Legislativo, que faz média com a direita bolsonarista que tem votos ali.
Pesquisas mostram que a aprovação ao governo supera de forma confortável a desaprovação, mas Lula não voa no céu de brigadeiro que marcou o início de suas primeiras gestões. Há alertas importantes, como o crescimento da preocupação da população com o tema da segurança pública. Fatos recentes, e chocantes, mostram que, sem desatar minimamente esse nó, o governo corre risco de forte desgaste.
A economia tem trazido bons sinais, e não há algo mais importante politicamente, para um governo, do que a percepção da melhoria das condições de vida pela maioria da população. A continuar nesse rumo, mantendo a inflação dos alimentos sob controle, aumentando o poder de consumo das famílias, ampliando programas sociais e passando ao mercado e aos investidores a sensação de estabilidade, Lula tem meio caminho andado para a reeleição — ou para a eleição de um sucessor.
O problema é que, apesar da preponderância, não é só a economia, estúpido. As coisas podem até ir bem nesse plano, mas, a não ser que o crescimento do PIB passe a bombar, e de forma retumbante, haverá sempre aqueles que verão o copo meio vazio. Sobretudo se questões ligadas à agenda ideológico-comportamental e temas como a segurança não forem bem equacionados.
Esse eleitor, de perfil conservador, está no centro e na direita não-troglodita que, em 2022, votou em Lula para evitar o golpe. Mas não tem laços de fidelidade com o presidente e seu campo político e pode, em 2026, atravessar a ponte novamente para o lado de lá, principalmente se encontrar, na cédula, um candidato direitista mais palatável do que Bolsonaro. Esse segmento pode acabar sendo o fiel da balança na próxima eleição presidencial — e se tornar novamente presa fácil do fascismo escondido atrás de candidatos de direita aparentemente “limpinhos e cheirosos”, mas pronto a botar as garras de fora quando no poder.
É por aí que o governo Lula, chegando ao final de seu primeiro ano, deve montar sua ação e narrativa para os próximos. Fortalecer o discurso da democracia e turbinar a economia, mas sem perder de vista questões que afligem a população, como a da segurança pública, e mantendo distância regulamentar da pauta comportamental que divide sua base. Ao que parece, contará com o STF de Luís Roberto Barroso para calibrar essa agenda.
Pode ser lamentável para alguns de nós, progressistas, que temas como a liberação do aborto até a 12ª semana sejam engavetados nesse momento. Aqui escrevi que o voto de Rosa Weber representa um enorme avanço na luta das mulheres. Mas essa não é a opinião de ampla maioria da sociedade brasileira, indicando que temos que aprofundar o debate. Sabiamente, o Planalto não entrou nele, mas qualquer decisão do STF nesse assunto agora contaminaria o governo — assim como muitas outras.
Infelizmente, ainda não ganhamos de forma definitiva a guerra contra o fascismo, e é preciso que continuemos atentos e fortes. Inclusive para, mesmo a contragosto, abrir mão temporariamente de algumas causas e manter alianças que forjaram a frente política ampla que elegeu Lula e nos tirou das trevas. Ela vai ter que continuar coesa.
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