Os bastidores da guerra da Abin com a PF

 

Disputa política, corrupção, vazamentos e escândalos de espionagem na Abin colocam em risco a segurança nacional.

Uma guerra de versões sobre a operação Última Milha, deflagrada pela Polícia Federal para investigar o suposto uso ilegal de um software de geolocalização pela Agência Brasileira de Inteligência, colocou em evidência uma disputa brutal entre órgãos de inteligência brasileiros.

A Abin e a PF discordaram sobre a colaboração da agência com as investigações sobre o FirstMile, software que teria sido utilizado para espionar autoridades e adversários do governo Bolsonaro. Internamente, batalhas nos dois órgãos revelam a politização e os interesses corporativos entranhados nas instituições.

O conflito entre Abin e PF tem em 2007 um de seus marcos. Naquele ano, o cargo de diretor-geral da agência foi ocupado, pela primeira vez, por um delegado da PF, Paulo Fernando da Costa Lacerda. E, em 2008, as duas instituições se viram no centro da CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas.

Na ocasião, a colaboração ilegal de integrantes da Abin nas investigações, comandadas pelo delegado Protógenes Queiroz, levaram à demissão de Lacerda – e resultaram em trocas de acusações entre a PF e a Abin. O então diretor de contra-inteligência da Abin, Paulo Maurício Fortunato, também chegou a ser afastado.

Quinze anos depois, o mesmo Fortunato foi afastado da Abin por determinação da PF e exonerado pelo governo Lula por envolvimento no caso FirstMile. Curiosamente, Luiz Fernando Corrêa, atual diretor-geral da Abin, era o diretor da PF em 2007 e chegou a depor sobre o caso na Câmara dos Deputados. Ele declarou não saber da parceria.


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De 2008 a 2018, servidores de carreira ocuparam a direção-geral da Abin, afastando os atritos com os policiais da agência. Mas as tensões seguiram. O empoderamento das unidades de inteligência da PF em temas como o terrorismo incomodava a Abin – que acusa os policiais de não serem qualificados. Já a demora da agência em comunicar a PF de investigações com potencial criminoso irritava a corporação.

Em 2014, uma CPI da Câmara dos Deputados que apurou a espionagem da National Security Agency, dos EUA, contra a presidente Dilma Rousseff apontou a desarticulação do sistema de inteligência federal como uma das fragilidades da segurança nacional. Desgastada por não ter identificado a espionagem norte-americana, a Abin perdeu espaço para a PF, que comandou as investigações do caso.


O cenário se acirrou após a conturbada gestão do delegado Alexandre Ramagem na Abin. Com nomeações de policiais federais para cargos de comando da agência, Ramagem elevou o grau de simbiose e rivalidade entre as instituições.

Em abril de 2022, as duas principais entidades de classe de servidores da Abin se uniram e formaram a Intelis - União dos Profissionais de Inteligência de Estado da Abin. A nova entidade passou a ser a única a representar os servidores, congregando 1,4 mil profissionais.

A Intelis passou a emitir posicionamentos sobre os casos que envolveram a agência, alegando que eventuais escândalos se deviam à gestão de Ramagem e aos policiais. As antigas entidades evitavam se posicionar, uma das razões apontadas por agentes para seu desgaste.

Não foram poucas as vezes que homens de confiança de Ramagem se envolveram em escândalos na Abin. Em dezembro de 2020, a Época revelou que a agência produziu relatórios para ajudar o senador Flávio Bolsonaro a buscar a anulação do caso Queiroz, em que o político era investigado pelo esquema de "rachadinha".

Em agosto de 2022, a Polícia Federal afirmou que a Abin atrapalhou o andamento de uma investigação envolvendo Jair Renan Bolsonaro, filho mais novo do ex-presidente. Um integrante do órgão admitiu ter recebido a missão de levantar informações de um episódio relacionado a Renan. Segundo o espião, o objetivo era prevenir "riscos à imagem" do chefe do Executivo.

Em outubro de 2022, durante a campanha de Tarcísio de Freitas ao governo de São Paulo, ex-ministro de Bolsonaro, o Intercept revelou que um oficial de inteligência licenciado da Abin pediu a um cinegrafista da Jovem Pan para apagar imagens do tiroteio ocorrido no dia 17 em Paraisópolis. Segundo testemunhas, um segurança de Tarcísio matou um homem desarmado. O inquérito foi concluído sem identificarem de que arma partiram os tiros.

Com a vitória de Lula, outros atores emergiram para disputar o comando da Abin e da PF. Os novos diretores-gerais, um casal em cargos-chave da Abin, whistleblowers acusados de chantagem e uma entidade de classe cada vez mais poderosa compõem essa guerra.

Acesse o site do Intercept na próxima terça-feira para conhecer os grupos envolvidos.

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