*editorial de O Globo de 26.nov.2023
No estabelecimento da tese votarão os dez ministros do Supremo (ainda não houve nomeação para a vaga aberta pela aposentadoria da ministra Rosa Weber). O plenário deverá estabelecer o limite da liberdade de expressão e informação em situações em que também estão em jogo a honra e a vida privada dos atingidos pelas informações publicadas — quando elas não partem do veículo, mas de terceiros.
Entre as teses sugeridas, duas não deveriam prevalecer, por razões opostas. A primeira não atribui nenhuma responsabilidade ao veículo, independentemente de haver dolo na divulgação das informações. Parece óbvio que divulgar deliberadamente imputações falsas ou ignorar evidências disponíveis, de modo a ocultar propositalmente versões dos envolvidos ou atingidos, são atitudes incompatíveis com o bom jornalismo.A segunda tese que não deveria prevalecer impõe responsabilidade ao veículo de comunicação sempre que as declarações que publicar se revelarem ao fim caluniosas ou mentirosas, independentemente dos cuidados adotados na apuração. A atividade jornalística pressupõe a publicação de fatos no calor dos acontecimentos. Erros acontecem, e nenhum jornalista sério erra porque quer. Se um veículo, diante dos eventos, segue os preceitos do jornalismo profissional com seriedade e ética, não há razão para puni-lo, ainda que as informações publicadas depois se mostrem equivocadas. Apenas a má-fé e a negligência grosseira em relação aos fatos justificam a punição.
Duas teses propostas buscam um meio-termo virtuoso, adotando princípios similares aos consagrados nos Estados Unidos no caso New York Times Co. v. Sullivan, de 1964. Na ocasião, a Suprema Corte americana passou a exigir, para condenar um veículo, prova do conhecimento prévio de que a notícia era falsa ou de negligência no dever de buscar a verdade (“reckless disregard of whether it was false or not”). Tal doutrina ficou consagrada como actual malice (correspondente ao dolo no Brasil). Se adotar uma delas, ou outra similar, o STF prestigiará a atividade jornalística, sem descuidar da reparação devida àqueles cujo direito ou cuja honra tiverem sido violados.
Para merecer punição, não basta o veículo ter cometido um erro. É preciso que o tenha cometido de propósito, com a intenção deliberada de prejudicar. Penalizar erros involuntários provocaria um efeito silenciador na imprensa. Ela deixaria de divulgar informações necessárias para a sociedade temendo processos e indenizações, especialmente em notícias envolvendo poderosos. Seria um revés terrível para a liberdade de expressão. Por isso o Supremo faria bem em adotar uma tese que leve em consideração as características do jornalismo e seu papel essencial em todo regime democrático.
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