Via @uolnoticias | Imagens publicadas no Instagram não deixam dúvida: a confraternização organizada pela Associação Cearense de Magistrados (ACM) foi farta. Juízes e familiares jantaram, beberam e dançaram em uma festa grandiosa no cais do porto do Iate Clube de Fortaleza no último dia 16. O evento, denominado Sunset Confra 2023, também contou com a participação de bailarinos contratados para alegrar os convidados e shows de músicos locais.
Tudo certo, não fosse um detalhe: a festa foi parcialmente custeada por duas empresas privadas que têm processos tramitando no Tribunal de Justiça do Ceará. A BSPAR Incorporações, uma construtora local, e a Carmais, rede de empresas do ramo de veículos, respondem a dezenas de ações na corte. Parte dos convidados do evento julgarão esses processos.
Não é crime um juiz comparecer a evento financiado por empresa privada. No entanto, o Código de Ética da Magistratura, editado em setembro de 2008, repudia a prática no artigo 17: "É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional".
No TJ-CE, a BSPar Incorporações responde a vários processos que ainda não foram julgados. Entre os assuntos mais recorrentes estão indenização por dano material, indenização por dano moral, promessa de compra e venda, rescisão de contrato e devolução de dinheiro, além de vícios de construção.
A Carmais Seminovos também responde a vários processos no tribunal. Entre os assuntos judicializados estão indenização por dano moral e promessa de compra e venda. A empresa pertence ao grupo Carmais.
Na festa, havia dois veículos elétricos iluminados como parte da decoração. Os modelos são comercializados pela Carmais BYD, concessionária do mesmo grupo. Um dos donos da empresa é Julio Ventura, suplente do senador Cid Gomes no Senado.
Procurada pelo UOL, a assessoria de imprensa da Carmais BYD confirmou que patrocinou a festa, mas não informou o valor gasto até a publicação desta reportagem.
Também havia no local maquetes da BSPAR e um telão de plasma para transmitir vídeos de empreendimentos e lançamentos da incorporadora. A assessoria da BSPAR informou que "não foi a patrocinadora", mas que "entrou com um dos apoios ao evento". Questionada sobre que tipo de apoio, a empresa não declarou mais nada até o momento da publicação.
A festa também contou com uma ambulância da Unimed em local de destaque. Magistrados que estiveram no evento interpretaram a presença do veículo como patrocínio, mas a empresa esclareceu ao UOL que estava apenas prestando serviço, sem ter feito qualquer contribuição financeira.
"A Unimed Fortaleza informa que a Associação Cearense de Magistrados é cliente da cooperativa há mais de 30 anos. Como acontece com outros clientes corporativos, a operadora disponibilizou uma ambulância para o evento da entidade realizado no dia 16/12. Não houve patrocínio financeiro", diz o texto.
Os juízes não pagaram nada para entrar da festa. Além do próprio convite, eles tinham direito a outros três para distribuir entre amigos e familiares. Em meio ao cenário luxuoso, o presidente da ACM, José Hercy Ponte de Alencar, fez discurso aguerrido em defesa dos direitos da magistratura.
"Nós não vamos ceder nenhum minuto pelo magistrado cearense, quer doa, quer não doa. Nós vamos continuar lutando para que o magistrado cearense saia da situação do fundo do poço para uma situação de dignidade. É preciso que o Tribunal de Justiça do Ceará coloque a mão na cabeça, coloque a sua mão na consciência, porque os magistrados estão no seu limite, dando o seu suor, sangue e trabalho para a população. É preciso que o Tribunal de Justiça do Ceará faça sua parte para todos os magistrados que se sentem colocados no último patamar, no fundo do poço", disse ao microfone.
Antes da festa, o presidente da associação gravou um vídeo para os associados informando que, se quisessem obter convites em número superior à cota disponibilizada, cada ingresso adicional sairia por R$ 500 reais. Ele explicou que, apesar de alto, era um valor subsidiado pela associação, já que o evento tinha sido orçado em R$ 600 por pessoa. Ele também esclareceu que crianças de até 10 anos não pagariam para entrar.
No mesmo vídeo, Alencar lembrou que se tratava de um evento informal: "Venham de bermuda, chinelo, rasteira. É uma festa bem casual, para que todo mundo se sinta à vontade". Ele informou, ainda, que os convidados poderiam deixar o veículo na porta da festa com um serviço de manobrista que o guardariam em segurança.
Procurada pelo UOL, a assessoria de imprensa da ACM não informou o valor total do evento, quem eram os patrocinadores da festa, ou quantos convidados compareceram. Primeiro, o UOL foi questionado sobre qual seria "a angulação da matéria, intencionalidade". Em seguida, veio a resposta da assessoria: "Até pelo possível teor da matéria e por se tratar de uma festa privada, sem nenhum recurso público, preferimos não nos manifestar".
No site, a ACM informa ser uma "sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos, fundada em 20 de dezembro de 1958". Entre as finalidades listadas, estão "representar os anseios dos associados em relação aos direitos da magistratura" e "intensificar o espírito de classe".
Depois da festa, o presidente da associação fez uma postagem no Instagram para elogiar o evento: "A confraternização foi muito importante para rever amigos, mediar conversas interessantes e se divertir com as atrações que se apresentaram em nossa festa. Que possamos ter mais momentos como esse".
Carolina Brígido Fonte: @uolnoticias