Os militares não só conseguiram impor nova anistia tácita para continuarem impunes, como também reconquistaram espaços estratégicos
Lula, ministro da Defesa, José Múcio, comandantes do Exército, Tomás Ribeiro Paiva; da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno; e da Marinha, Marcos Sampaio Olsen (Foto: Ricardo Stuckert)
A democracia brasileira nĂŁo está nem estável nem segura; segue ameaçada e em vigĂlia permanente pela sobrevivĂŞncia.
Os militares estĂŁo vencendo –e por goleada– o campeonato de sobrevivĂŞncia da democracia.
Não levaram nenhum gol contra, ou seja, seguem invictos, não sofreram nenhuma penalidade. Até o momento, nenhum integrante da hierarquia militar foi processado e preso devido aos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023.
AlĂ©m disso, neste perĂodo conseguiram marcar vários gols a favor do time [famĂlia] militar.
Os primeiros pontos foram conquistados ainda durante a transição de governo. Conseguiram emplacar José Múcio Monteiro no ministério da Defesa, um embaixador dos interesses da caserna. Também conseguiram manter o oficialato conspirador na ativa e a designação dos comandantes das três Forças de acordo com o critério de antiguidade.
Neste pacote do perĂodo da transição, ainda conseguiram manter o GSI, o Gabinete de Segurança Institucional, sob a condução de um general do ExĂ©rcito e totalmente incrustrado por militares, inclusive com remanescentes da gestĂŁo do famigerado Augusto Heleno ocupando postos centrais.
Depois da intentona do 8 de janeiro, o presidente Lula até insinuou medidas para desmilitarizar o Planalto e esvaziar as funções militares no Estado brasileiro, mas sem avanços concretos.
A transferĂŞncia da ABIN [AgĂŞncia Brasileira de InteligĂŞncia] do GSI para a Casa Civil nĂŁo foi aceita pelos militares. Na prática, criam paralelismo de atuação, usurpam a missĂŁo institucional da ABIN, como na polĂtica de inteligĂŞncia de Defesa e no ComitĂŞ de Cibersegurança, e trabalham para recuperar a subordinação da AgĂŞncia ao controle militar via GSI.
As Forças Armadas foram agraciadas com R$ 52,9 bilhões para investimentos do PAC, cifra superior aos investimentos plurianuais em muitas outras áreas essenciais, como o SUS.
O governo Lula renunciou Ă atualização da polĂtica nacional de Defesa pelo poder polĂtico e sociedade civil e entregou aos prĂłprios militares essa polĂtica de Estado fundamental para o desenvolvimento nacional e para a inserção geopolĂtica do Brasil. Lula tambĂ©m recuou em relação Ă s operações de Garantia da Lei e da Ordem.
Em articulação com o senador oposicionista e lĂder bolsonarista Carlos Portinho/Pl-RJ, as cĂşpulas fardadas defendem uma emenda constitucional para elevar os gastos militares a 2% do PIB. Isso representa um incremento de cerca de R$ 70 bilhões anuais para engordar o orçamento das Forças Armadas que destina mais 83% para pagamento de pessoal, principalmente de reservistas e pensões imorais a esposas e filhas de militares.
No Congresso agem livremente com assessorias legislativas que fazem lobby pelas pautas corporativas. Conseguiram impedir a mudança do artigo 142 da Constituição proposta pelo deputado petista Carlos Zarattini/PT-SP e tambĂ©m estĂŁo conseguindo impedir a recriação da ComissĂŁo de Mortos e Desaparecidos PolĂticos.
Como um governo dentro do governo, os estamentos militares exercem diplomacia prĂłpria, realizam treinamentos e adestramentos com forças armadas estrangeiras e mantĂŞm estruturas dispendiosas com centenas de adidos nos paĂses da OTAN [nos EUA e Europa].
O ministro JosĂ© MĂşcio e os comandantes militares falam repetidamente na necessidade de se “pacificar” a relação com os militares. Ora, esta Ă© uma retĂłrica no mĂnimo esdrĂşxula.
Os prĂłprios militares promoveram uma guerra Ă democracia, ao PT e a Lula e, uma vez derrotados na tentativa de golpe, agem cinicamente como um exĂ©rcito em retirada que tenta impor aos vencedores suas exigĂŞncias e condições para o armistĂcio.
Os militares representam, historicamente, uma ameaça à democracia. São o principal fator de instabilidade e de insegurança institucional no Brasil.
É de se lamentar, por isso, que Congresso, Governo Federal, judiciário e instituições do poder civil desaproveitem as circunstâncias criadas com o fracasso dos intentos golpistas, que desnudaram a natureza conspirativa das cúpulas fardadas e seu projeto de poder estamental.
Os militares nĂŁo sĂł conseguiram impor nova anistia tácita para continuarem impunes, como tambĂ©m reconquistaram espaços estratĂ©gicos, de poder polĂtico e administrativo. Na rememoração do 8 de janeiro, os militares chegam impunes e mais fortes.
E continuam ampliando cada vez mais sua influĂŞncia e recursos de poder, o que poderá ser fatal para a sobrevivĂŞncia da democracia numa futura conjuntura de crise e instabilidade polĂtica.
Este artigo nĂŁo representa a opiniĂŁo do Blog e Ă© de responsabilidade do colunista e articulista Jeferson Miola 247