Movimentações da corrida pelo Paço Municipal iniciaram ainda em 2023
O novo prefeito de Fortaleza deve ser escolhido pela população apenas em outubro desse ano, mas a disputa eleitoral começou a se desenhar ainda em 2023 — absorvendo ainda rescaldo das eleições de 2022. A antecipação do embate eleitoral é explicada por uma conjuntura política mais complexa para a disputa pela sucessão de José Sarto (PDT) no Paço Municipal.
O grupo político liderado anteriormente pelos irmãos Ferreira Gomes chega a 2024 rachado. Um rompimento causado pela eleição para o Palácio da Abolição, em 2022, mas que se agravou ao longo de 2023, chegando a um ponto sem retorno: a debandada de parte do grupo político, sob liderança do senador Cid Gomes, do PDT.
A crise na aliança que governava o Ceará há 16 anos, enfraqueceu a base de sustentação do prefeito José Sarto e, ao mesmo tempo, fortaleceu a pré-candidatura do PT para a Prefeitura — confirmada pelas principais lideranças do partido, mas ainda sem nome definido. A perspectiva de, pelo menos, cinco petistas interessados em ser o escolhido projeta a possibilidade de intensa disputa interna no partido do governador Elmano de Freitas (PT), da qual despontam os nomes da deputada federal Luizianne Lins (PT) e do presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Evandro Leitão (PT).
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Do outro lado, a oposição também deve sair dividida. São pelo menos três nomes lançados até o momento: Capitão Wagner (União), André Fernandes (PL) e Eduardo Girão (Novo). Todos estão identificados com o eleitorado mais à direita, defendendo bandeiras semelhantes e identificadas com o campo conservador. Todos também são oposicionistas tanto de Sarto, em Fortaleza, como de Elmano, no Ceará.
O Diário do Nordeste conversou com o cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem/UFC), Cleyton Monte, com a cientista política e professora de Direito da Unifor, Mariana Dionísio, e com a professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará e pesquisadora do Lepem/UFC, Monalisa Torres, para para falar sobre como deve ser a eleição de Fortaleza em 2024 e como ela se difere das disputas de anos anteriores na capital cearense.
O PESO DO ROMPIMENTO ENTRE CID E CIRO GOMES
CLEYTON MONTE
"Não existe mais o grupo dos Ferreira Gomes. Ele foi fragmentado. Existe um grupo sob a liderança do Cid Gomes e outro grupo sob a liderança do (ex-ministro) Ciro Gomes. São distintos. E cada um age de uma forma, tem uma lógica, são adversários. O grupo do Ciro Gomes é o grupo que está no governo em Fortaleza, é o grupo do Sarto, tem a máquina da Prefeitura e o grupo do Cid Gomes é o grupo de oposição em Fortaleza e tem o apoio da máquina do Estado.
Então, são estratégias diferentes. Claro, são importantes porque agregam vários vereadores, deputados. Não tem mais a força que tinha antes, porque a força que existia antes era a unidade de um grupo presente em todo o Estado, sob a liderança dos irmãos. Agora, o grupo foi fragmentado, mas não deixa de ser importante, não deixa de ser impactante. Considerando a eleição para a Prefeitura de Fortaleza, são grupos que estão em lados opostos".
MARIANA DIONÍSIO
"O grupo dos Ferreira Gomes trouxe algo de diferente para o cenário local: a sensação de imprevisibilidade, que é péssima para a construção do capital político. Ao tornar explícitas as tensões políticas e familiares, sobretudo depois do racha no PDT, os irmãos Cid, Ciro e Ivo Gomes mostraram ao grande público que a divergência está escalonada, gerando instabilidade para o diretório do partido aqui no Ceará.
E essa instabilidade cobra um preço alto: uma debandada em massa de nomes fortes do partido, que às vésperas das eleições municipais pediram cartas de anuência, todos com o propósito claro de apoiar outras siglas.
Isso torna a disputa municipal mais confusa por 02 motivos: primeiro, porque o partido terá enorme dificuldade em indicar um nome que seja fiel à sigla e ao mesmo tempo, com baixos índices de rejeição — o que não se pode esperar do atual prefeito José Sarto. Segundo, porque demonstra a fragilidade das alianças internas".
MONALISA TORRES
"Quando tem um grupo político como esse dos Ferreira Gomes, há uma liderança maior, um núcleo duro que delibera, inclusive, os nomes que serão indicados para esses principais cargos. Quando há reeleição, é mais fácil escolher porque o nome já está dado, há uma ‘candidatura natural’.
Agora, em casos de rompimento, quando o grupo se rompe como foi, quando perde força ou em processos de transição, quando tem um nome novo que vai ser escolhido, aí há disputa interna. Aqueles que se acham melhor colocados, do ponto de vista do poder político, começam a se movimentar para demonstrar mais força e ser aquele indicado pelo grupo ou para se colocar como candidato representante do grupo.
A gente está vendo um pouco desse processo. Vimos a emergência do Evandro Leitão como esse possível nome, que estaria ali mais próximo do Cid Gomes e que vem se cacifando paulatinamente para se colocar como esse nome, com força que está agregando, que está fazendo alianças, que está construindo a sua própria rede política para se fortalecer, para ser esse nome.
O que é interessante nesse caso é que o Evandro Leitão sai um pouco da aba do Cid com esse movimento que ele faz de ir sozinho para o PT — o Cid até demonstra uma certa insatisfação em relação a esse movimento. É um pouco desse indicativo de que ele está percebendo que sozinho ele teria força e está ali fazendo o seu próprio jogo. Por outro lado, você tem outros nomes no PT que já também vem construindo o seu legado e buscando esse lugar ao sol, buscando se consolidar como esse nome.
A Luizianne, há muito tempo já sabemos, é um nome forte. Ela tem um grupo forte próximo a si, ela tem muito capital político, ela tem muita força dentro do diretório municipal. A Larissa (Gaspar) que vem construindo o seu nome também para se fortalecer. E agora o Evandro — que cai de paraquedas num partido que tem uma dinâmica diferente de escolhas de candidaturas, um pouco mais discutido — está ali tentando também construir".
A DISPUTA INTERNA DENTRO DO PT
CLEYTON MONTE
"O PT vive um cenário bem diferente se comparada às últimas eleições municipais, em que o partido estava bem reativo, estava bem no alvo de operações de combate a corrupção, tinha uma onda contrária ao partido. Nesse momento, o partido é governo. É governo federal, é governo do estado. Vai ter recursos muito importantes do Fundo Eleitoral e, claro, ainda vai haver uma disputa dentro do PT. Não está pacificado quem vai ser o candidato ou candidata.
O que se espera é que essa figura que vai representar o partido... Primeiro, (se espera) que o partido tenha candidatura. Existe uma compreensão dentro do PT que a candidatura para a Prefeitura de Fortaleza tem que ser do PT. O PT não vai abrir espaço para outros partidos, tem que ser uma figura do PT, mas vai haver a disputa. Não existe uma pacificação, até pela própria estrutura do partido.
Provavelmente haverá uma disputa entre o grupo do Evandro Leitão e aqueles que ainda buscam a candidatura da deputada Luizianne Lins".
MARIANA DIONÍSIO
"Hoje o PT possui excesso de nomes para a candidatura ao pleito de 2024, e deve enfrentar o desafio de equilibrar os interesses individuais e a melhor estratégia para o diretório. A disputa será diferente porque, desde a filiação de Evandro Leitão, as peças do tabuleiro começaram a se mover na forma de tensões internas.
O PT tem 5 nomes que despontam como possíveis candidatos à prefeitura, e as prévias partidárias de março de 2024 serão as mais aguardadas, sem dúvidas. Nas eleições municipais do próximo ano, é possível esperar dissidências internas no PT".
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MONALISA TORRES
"O PT tem uma história de fazer prévias, de consultar os membros do diretório para deliberar coletivamente. Mas agora a gente tem um cenário diferente com um nome que já foi para o partido forte, com a intenção de ser esse nome indicado, que inclusive constrói pontes com lideranças de outros partidos — então, ele já chega com certo capital — e com pontos positivos com os principais nomes dentro do partido a nível estadual.
Ele já vem com essa proximidade com o Camilo (Santana, ministro da Educação), com o próprio Elmano (de Freitas). Agora resta saber como serão essas tratativas dentro do partido. Sabemos que há muito cálculo que está sendo feito para 2024, mirando 2026. (...) Há tratativas, o grupo é grande, o grupo ainda está se acomodando, as lideranças, os partidos, enfim, ainda estão se acomodando, então acho que vai ter muita discussão.
Eu acredito que talvez haja um debate um pouco diferente nessa escolha do PT, considerando Evandro Leitão como essa figura exógena ao partido, que entra numa dinâmica diferente, se filia num processo diferente, com expectativas de que será o candidato e construindo o caminho, pavimentando o seu lugar pra isso. O seu lugar dentro do partido e fora dele para isso, para ser esse nome. Eu tenho muito cuidado ao tentar fazer previsões, mas eu imagino que a briga entre Luizianne e Evandro Leitão vai ser grande".
COMO A OPOSIÇÃO CHEGA A 2024?
CLEYTON MONTE
"Nós temos, na disputa para a prefeitura de Fortaleza, diferentes oposições e oposições fortes. O que acontece? O governo Sarto — apesar de ter melhorado a avaliação ao longo de 2023, ter realizado um programa de investimento, de intervenções — Fortaleza ainda é um governo que, no geral, tem uma avaliação de regular e ruim junto à população.
Geralmente, quando um prefeito tenta a reeleição, se ele é bem avaliado, existe quase uma força gravitacional em torno dele, os partidos vão buscar aquele que tem mais chance. Como esse cenário não existe, então a oposição está fortalecida. Então, existe uma oposição fortalecida do candidato do governo do Estado, que é oposição à Prefeitura.
E existe uma posição fortalecida mais à direita e essa oposição tem chance sim. Ela vai agregar muitos partidos, ela vai ser competitiva. É um cenário em que, diferente das eleições anteriores.... Porque a gente tem o mesmo grupo na prefeitura de Fortaleza há 12 anos, os 8 anos do Roberto Cláudio e os 4 anos do Sarto. Então você não tinha uma posição tão fortalecida. Mesmo assim, na eleição do Sarto, o Capitão Wagner, que era oposição, teve uma votação extraordinária. Eu acho que vai ser uma eleição em que a oposição vai ter uma situação muito mais favorável que nas eleições anteriores".
MARIANA DIONÍSIO
"A oposição vai utilizar essas tensões, assim como já é tradicional no cenário político. Sem grandes novidades. Na verdade, o primeiro grande papel dos partidos de oposição é expor as vulnerabilidades das siglas da situação.
Talvez, a diferença agora seja a possível utilização de frentes partidárias de direita, reunindo nomes de diferentes partidos, mas que coincidem na postura conservadora e na preocupação com as chamadas 'pautas de costumes'".
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MONALISA TORRES
"Na eleição anterior, a oposição esteve mais unida. Hoje, temos três nomes que não são forças desprezíveis. O (André) Fernandes que representaria esse lado mais extremista, mais conservador, digamos assim, um conservador puro-sangue, um político direita puro-sangue, bolsonarista puro-sangue, que tem um eleitorado dele. Eu não sei se o suficiente em Fortaleza, mas que reivindica esse lugar de ser o bolsonarista raiz. E o Fernandes foi eleito na onda bolsonarista, é um nome forte do bolsonarismo, representa de fato esse bolsonarismo raiz, mas eu não sei que peso isso terá em Fortaleza. A depender de como for, ele pode dividir votos no campo da direita, caso as candidaturas saiam rachadas.
Na eleição passada, tinha o Heitor Freire, que tentava se colocar como esse candidato puro de direita. As peças dele tentavam fazer essa jogada de que o outro, no caso o (Capitão) Wagner, não seria um conservador puro, não seria um líder político de direita puro. Ele (Heitor Freire) sim seria, porque incorporaria vários elementos que estariam mais próximos da direita do que o Wagner, colocando ali aquela dúvida. Mas a gente viu que isso não colou muito e o Wagner tem um eleitorado fiel.
Não custa lembrar que Fortaleza é uma das capitais mais violentas do país e o Wagner, de alguma forma, incorporaria esse ethos de alguém que saberia cuidar (desse problema). Muito embora a gente sabe que não cabe ao prefeito a questão da segurança pública, mas ele ganha votos na periferia, ele tem essa entrada na periferia a partir dessa imagem que ele construiu de alguém que tem know-how (saber fazer) no campo da segurança.
E o (Eduardo) Girão... A eleição para ele seria uma forma mais de vitrine mesmo, pra medir a sua força eleitoral pensando em 2026. Eu não acho que a eleição dele se sustente muito não. (...) Acho que daqui pro final ele agregaria ao Wagner, acho que mais ao Wagner do que ao Fernandes".
O QUE PERMANECE DE OUTRAS ELEIÇÕES
CLEYTON MONTE
"Nós teremos em Fortaleza uma disputa acirrada, muito provavelmente com segundo turno. E, da mesma forma que ocorreu nas campanhas anteriores, as máquinas eleitorais, a máquina do Estado, a máquina da Prefeitura, o apoio de redes — de vereadores, de deputados — isso vai continuar fazendo a diferença. Eu penso que quem conseguir uma maior capilaridade, uma maior força eleitoral a partir dessas articulações, consegue ganhar a eleição em 2024 em Fortaleza".
MARIANA DIONÍSIO
"Vamos ver disputas semelhantes, com os mesmos nomes e discursos praticamente idênticos, mas com uma roupagem atualizada pela polarização que vem sendo impulsionada pelo engajamento das redes sociais. A única diferença serão os lados escolhidos pelos candidatos. Não há nada mais valioso no período pré-eleitoral que a garantia de apoio dos partidos, e as filiações em massa demonstram que o poder de barganha exercido pelo PT está irrefreável".
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MONALISA TORRES
"O Wagner concorre em todas as eleições. Então, ele sai na frente sempre nas primeiras pesquisas de intenção de voto, porque ele, de fato, é muito conhecido pelo eleitor — e o eleitor só se liga mesmo em candidato, em eleição, quando está próximo. Essas pesquisas que antecedem, normalmente há essa tendência a citar os nomes que eles mais escutam, que eles mais conhecem. E o Wagner é um desses nomes.
O Wagner sai na frente sempre porque é um nome muito conhecido. Isso, por um lado, é uma vantagem, tem a sua vantagem. E, a depender de como o Sarto estiver avaliado daqui pra lá, vamos ver quais seriam as opções que o eleitor terá mais à disposição".