Bruno Brandão afirma que a PGR já descartou anteriormente as suspeitas levantadas pelo ministro Dias Toffoli, do STF, ao determinar uma investigação contra ONG
Por Daniel Gullino — Brasília
Bruno Brandão é diretor-executivo da Tranparência Internacional — 📷: Reprodução
Diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão afirma, em entrevista ao GLOBO, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) já descartou anteriormente as suspeitas levantadas pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, ao determinar uma investigação contra a Transparência Internacional no Brasil. Brandão também critica retrocessos no combate à corrupção no país, mas reconhece erros cometidos pela ONG no contexto da Operação Lava-Jato.
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Como o senhor reagiu à decisão do ministro Dias Toffoli de investigar a Transparência Internacional?
Com espanto, porque essas alegações já haviam sido desmentidas há anos pela própria Transparência e, principalmente, por autoridades brasileiras, inclusive a Procuradoria-Geral da República. O que nos surpreende muito é que a decisão do ministro Toffoli cite um ofício do (ex-procurador-geral Augusto) Aras, mas não inclua a resposta, que foi dada pela procuradora Samantha Dobrowolski, em um memorando detalhado, desmentindo as informações que a TI havia recebido ou receberia qualquer recurso.
Por que esse tema foi retomado agora?
Não posso fazer afirmações sobre intenções das autoridades. O que eu posso dizer é sobre a nossa experiência no mundo, em que frequentemente somos alvos de campanhas difamatórias, ameaças... Há pessoas que se incomodam muito com nosso trabalho anticorrupção, à esquerda, à direta e, principalmente, acima.
A Transparência Internacional fez críticas a decisões do ministro Dias Toffoli. Acredita que há relação com essa investigação?
Esse é um contexto muito importante de ser levado em conta, dado o ambiente político que estamos vivendo.
Qual foi a participação da Transparência Internacional no acordo da J&F?
Nós produzimos o relatório (com sugestões), um ano depois (do acordo ser assinado), mas o ambiente mudou. Aconteceu aquela autogravação do Joesley (Batista), e a empresa passou a ter uma atitude hostil com o Ministério Público e houve um desinteresse por parte da empresa pelo trabalho que estava sendo feito. Fizemos nada, mas fizemos um relatório altamente técnico, com mecanismos de controle. Infelizmente, a J&F nunca os adotou, o que também revela o caráter não vinculante desse trabalho da TI.
Houve recomendações de onde o dinheiro deveria ser empregado?
Não. O que fizemos foi um relatório que absolutamente blinda que qualquer entidade pública ou privada se apropriasse desse recurso de maneira ilegítima, inapropriada. O relatório está público há alguns anos, e mostra quais eram as orientações. Inclusive, que o Ministério Público não deveria se envolver na gestão desses recursos. Ele criava mecanismos rigorosos.
Há retrocesso no combate à corrupção no Brasil?
Aprendemos nos últimos anos que toda a estrutura de combate à corrupção que o país levou décadas para construir pode ser destruída em poucos anos. Foi o que a gente assistiu, principalmente no governo Bolsonaro. Apontamos no relatório da semana passada que essa responsabilidade, além do legado do governo Bolsonaro, é também do governo Lula, com omissões e mesmo retrocesso, mas não é responsabilidade exclusiva do Poder Executivo. Há o Legislativo, com o Centrão cada vez mais poderoso, abocanhando mais recursos. E o Poder Judiciário, que tem tem feito o papel do desmonte, com decisões que anulam de maneira generalizada investigações e processos contra a corrupção.
O senhor faz autocrítica sobre a participação da Transparência Internacional na Lava-Jato?
Houve erros muito importantes da operação, do sistema político, da imprensa e da sociedade, inclusive da Transparência Internacional. Deixamos de perceber que em relação aos dois principais representantes da Lava-Jato, o procurador Deltan Dallagnol e o juiz Sergio Moro, havia uma profunda divergência com o entendimento da Transparência Internacional sobre o que essencialmente significa a luta contra corrupção. Se depois da operação eles emprestaram a imagem para um governo autoritário, que destruiu o combate à corrupção e fragilizou a própria democracia brasileira, eles não comungam a nossa visão sobre combate à corrupção.
O senhor chegou a trocar mensagens com o então procurador Deltan Dallagnol para falar sobre outro caso, da fundação da Lava-Jato. Houve um contato próximo demais?
Nós tivemos uma cooperação com o Ministério Público em diversas instâncias, com as forças-tarefas da Lava-Jato, Greenfield e Amazônia. Com a Lava-Jato, principalmente para reformar a proposta original das dez medidas (contra a corrupção). Nós fizemos um trabalho de cooperação com especialistas, para criar um pacote de 80 medidas, que tinha uma visão muito mais plural do combate à corrupção, que não fosse um olhar só penal.