Como deputado estadual, ex-conselheiro do TCE-RJ, preso como mandante do assassinato, atuou em dobradinha com o filho "01" de Jair Bolsonaro, a quem tinha como uma espécie de pupilo.
Em relatório complementar sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, enviado na última quinta-feira (23) ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal (PF) cita a relação de Domingos Brazão, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) preso como um dos mandantes do crime, com o hoje senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o filho "01" de Jair Bolsonaro (PL).
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Segundo informações do Brasil de Fato, o elo entre Flávio e Brazão surge no relatório como resultado da investigação no aparelho celular de Robson Calixto Fonseca, conhecido como Peixe.
Peixe foi assessor de Brazão e está preso desde o dia 9 de maio, acusado de ser o intermediador de uma das reuniões do ex-TCE com Ronnie Lessa, executor confesso do assassinato.
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Segundo o relatório, Peixe entrou em contato com Maria de Fátima Bezerra Castro, assessora de Flávio Bolsonaro, no dia 6 de novembro de 2023 pedindo liberação de dinheiro, via emenda parlamentar, para o Instituto de Formação Profissional José Carlos Procópio (Ifop).
Peixe também entrou em contato com a assessora de Flávio no dia 4 de fevereiro deste ano, pedindo ingressos para o Desfile das Campeãs no Camarote Arpoador, no Rio de Janeiro.
Elo histórico
Além de Domingos, o irmão mais novo dele, o deputado Chiquinho Brazão, que também está preso como mandante do crime - o terceiro acusado é o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro -, mantinha relações históricas com o clã Bolsonaro.
Durante o governo Bolsonaro, passaportes diplomáticos foram concedidos à esposa e ao filho do deputado. Este, no entanto, é apenas um dos laços que ligam as duas famílias. Ambas possuem relações históricas com a milícia que atua na região de Rio das Pedras, zona oeste do Rio de Janeiro.
Domingos Brazão, irmão de Chiquinho e conselheiro do TCE-RJ, já foi deputado estadual e, em sua época de parlamentar, atuou em dobradinha com Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a quem tinha como uma espécie de pupilo, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj),
"Vossa excelência é um deputado jovem e, mesmo assim, percebe-se, não somente pelas suas afirmações de hoje, mas pela sua postura em plenário, que vossa excelência procura preservar o que há de melhor, a maior instituição, que é a família. Infelizmente, há aqueles que apostam no contrário. Vejo parlamentares apresentarem projetos que visam liberar casamento de homem com homem, mulher com mulher e outras coisas. V.Exa., embora sendo jovem, ainda mantém essa postura firme, que, com certeza, é fruto da educação de seus pais, uma questão de criação", disse Brazão dirigindo-se a Flávio Bolsonaro na sessão de 4 de março de 2006 da Alerj.
O afago ocorreu após o filho de Bolsonaro elogiar o projeto de Brazão para conceder o título de cidadão ao pastor Sebastião Ferreira, da Primeira Igreja Batista de Vila da Penha, que morreu em 2017.
A dobradinha entre Brazão e Flávio Bolsonaro se deu, ainda, em diversas propostas na Alerj. Em 2014, por exemplo, Brazão foi o relator do projeto de Flávio para criar o programa Escola Sem Partido no sistema de ensino fluminense. No mesmo ano, os dois atuaram juntos na Comissão de Constituição e Justiça da casa.
Além das pautas de costumes, Flávio Bolsonaro e Domingos Brazão faziam dobradinha na defesa das milícias do Rio de Janeiro. Em 2006, quando Marcelo Freixo criou a CPI das Milícias, somente os dois se posicionaram contra.
Delator de Brazão, Ronnie Lessa morava a cerca de 100 metros da residência do clã Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra. Em "A República das Milícias", o escritor Bruno Paes Manso diz que Lessa era "um matador avulso, mas mantinha contatos com o Escritório do Crime e com milicianos de Muzema, ligados ao capitão Adriano".
No livro, o jornalista ainda fala da relação de Lessa "com figurões, como Rogério de Andrade e Domingos Brazão"
"Capitão Adriano", a que se referia, é Adriano da Nóbrega, que comandava o Escritório do Crime e empregou a mãe, Raimunda Veras Magalhães, e a ex-esposa, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj. Segundo MP-RJ, as duas faziam parte do esquema de "rachadinha" no gabinete.
Morto em 2020, o miliciano foi apresentado ao clã Bolsonaro por Fabrício Queiroz, que também tem ligações com a milícia de Rio das Pedras.
Durante as investigações sobre a morte de Marielle, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) apreendeu uma agenda com a esposa de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar. Na agenda-guia, que deveria ser usada por Márcia para ajudar a família caso o marido fosse detido, há um coronel identificado como amigo de Queiroz e "braço direito do Bração (sic)", uma possível referência a Domingos Brazão. Na caderneta ainda haviam nomes de pessoas ligados ao clã Bolsonaro e também a Adriano da Nóbrega.
Outro elo entre Flávio e Brazão, que faziam parte da bancada da "segurança pública" na Alerj, é o ex-assistente de câmera Luciano Silva de Souza.
Souza foi colocado em 2019 pelo padrinho, Domingos Brazão, o cargo de subdiretor da TV Alerj, o mais alto da hierarquia do departamento, e ficou responsável por gerir um contrato de cerca de R$ 800 mil mensais (quase R$ 10 milhões anuais) com uma empresa terceirizada, a Digilab. No currículo, Souza listou atuações em recentes campanhas eleitorais do PSL, como a de Flávio Bolsonaro ao Senado.
Chiquinho Brazão e o apoio a Bolsonaro
O deputado federal Chiquinho Brazão, irmão de Domingos Brazão, apoiou Jair Bolsonaro em sua candidatura para reeleição em 2022. O parlamentar é um dos principais nomes da família Brazão, uma das mais poderosas da política carioca.
Em suas redes sociais, Chiquinho compartilhou diversos vídeos em outubro de 2022 fazendo campanha para Bolsonaro, inclusive ao lado do senador e filho do ex-presidente, Flávio Bolsonaro. O mesmo Flávio Bolsonaro que assinou o projeto Escola Sem Partido na Alerj, junto de Domingos Brazão, apontado como um dos mandantes do caso Marielle.
Relatório
Com a entrega na última quinta-feira (23) do relatório complementar da Polícia Federal ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a corporação dá as investigações acerca do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes como encerradas.
Em termos de investigações, ainda faltariam ser colhidos os depoimentos do trio preso como mandante do crime: os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, deputado federal e conselheiro do TCE-RJ, e do delegado Rivaldo Barbosa, então chefe da Polícia Civil. As oitivas foram determinadas por Moraes e os réus estão à disposição da Justiça em três presídios federais diferentes.
A Procuradoria-Geral da República já ofereceu uma denúncia em 9 de maio e agora caberá a Moraes aceitá-la ou não. Ao que tudo indica, aceitará. Mas, por enquanto, segue aberto o prazo para as manifestações das defesas, que ainda pedem acesso a informações completas da denúncia e das investigações. Terminado esse período, Moraes deve decidir sobre a denúncia.
Em caso positivo, os irmãos Brazão e Barbosa finalmente serão ouvidos pelas autoridades e os processos contra eles e outros réus se desenrolarão na Justiça. Em caso negativo, o magistrado decide se arquiva o caso ou pede a produção de novas provas.
Ronnie Lessa
O jornalismo da @tvglobo teve acesso ao vídeo da delação premiada de Ronnie Lessa. O ex-PM diz que matou Marielle por promessa de chefiar nova milícia: https://t.co/8YS405U4Bd #Hora1 pic.twitter.com/N9sj0xQ1QE
— Hora 1 (@hora1) May 27, 2024
Neste domingo (26), o Fantástico, da Globo, divulgou trechos da delação de Ronnie Lessa, em ele pela primeira vez fala das motivações do crime. O ex-policial militar está preso na Penitenciária Federal de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul.
Segundo Lessa, ele não foi contratado simplesmente para ser um matador de aluguel, mas sim para compor uma "sociedade". A promessa seria que, assassinando Marielle, ele e um um de seus comparsas, o ex-PM Edimilson de Oliveira, conhecido como Macalé, controlariam um loteamento clandestino em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, avaliado em milhões de reais, criando assim uma nova milícia.
No loteamento, Lessa e Macalé explorariam serviços como serviços como TV por assinatura não autorizada, conhecida como gatonet, transporte alternativo clandestino, venda de gás, entre outros que renderiam um lucro de cerca de R$ 100 milhões. Este, segundo Lessa, seria o "negócio de sua vida".
"Não é uma empreitada, pra você chegar ali, matar uma pessoa, ganhar um dinheirinho... Não! (...) Era muito dinheiro envolvido; na época ele falou em 100 milhões de reais o lucro dos dois loteamentos. São quinhentos lotes de cada lado. É uma coisa grande, são ruas, na verdade é um mini bairro. É uma coisa gigantesca, então a gente tá falando de muita grana", declarou o ex-PM na delação.
Segundo Lessa, como pagamento, os irmãos Brazão ofereceram a ele e a um de seus comparsas, o Macalé (apelido do ex-PM Edimilson de Oliveira), um loteamento clandestino na Zona Oeste do Rio, avaliado em milhões de reais #g1 pic.twitter.com/B9uvZNNEHp
— g1 (@g1) May 27, 2024