De improbidade a abuso de poder: as irregularidades que têm ameaçado mandatos de deputados do Ceará

Decisões judiciais envolvendo parlamentares cearenses podem mudar o quadro de deputados federais e estaduais cearenses

Por Igor Cavalcante, igor.cavalcante@svm.com.br

PONTOPODER

Casos envolvendo parlamentares cearenses estão tramitando no TSE. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Na última semana, o desfecho de dois processos, um no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e outro na Justiça Federal, movimentou o cenário político cearense e colocou em risco o mandato de parlamentares do Estado. O deputado federal Eduardo Bismarck (PDT), o suplente de deputado estadual Audic Mota (MDB) e o deputado estadual Jeová Mota (PDT) tiveram, em ações diferentes, decisões os condenando à cassação. 

Soma-se a eles o caso da chapa do PL, que também pode ser cassada, tirando o mandato de quatro parlamentares do Estado, entre eles o do deputado estadual mais votado em 2022, Carmelo Neto (PL), que obteve 118.603 votos.

O Diário do Nordeste mostra agora por quais ilícitos os parlamentares foram cassados e como está cada um dos processos.

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

No caso envolvendo Jeová Mota, a Justiça Federal, por meio da 22ª Vara, localizada em Crateús, no interior do Ceará, determinou a cassação do mandato do deputado estadual. Recai contra ele a acusação de improbidade administrativa referente ao período em que era prefeito de Tamboril, cargo que ocupou por dois mandatos, entre 2005 e 2012. A decisão também condena o ex-secretário municipal da Saúde, Joaquim Gomes da Silva Neto.

Os dois são acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) de terem desviado, entre 2007 e 2008, quase R$ 70 mil do Programa de Atenção Básica (PAB), da Fundação Nacional da Saúde (Funasa). O montante deveria ter sido usado na implantação de sistema de abastecimento de água e módulos sanitários.

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Contudo, conforme as investigações, parte do dinheiro teve como destino a locação de imóveis; pagamento de contas telefônicas; fornecimento de lanches e refeições e para compras de combustíveis, lubrificantes e pneus. Durante o trâmite do processo, no entanto, Jeová Mota aceitou devolver os valores usados indevidamente, contudo, o MPF defende que isso não o isenta do ato de improbidade. 

O caso transitou em julgado em 21 de agosto do ano passado e retornou do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com a ordem de restabelecer a sentença condenatória proferida pelo Juízo de Primeiro Grau.

A decisão estabelece que o político e o ex-secretário paguem o montante desviado, além de uma multa do mesmo valor. Eles ainda têm os direitos políticos suspensos por cinco anos, perdem as funções públicas que estejam exercendo e ficam proibidos de contratar com o Poder Público, receber benefícios, incentivos fiscais e creditícios pelo mesmo período. 

Atualmente, o processo aguarda que a Justiça Federal peça a execução da pena. Em sua defesa nos autos processuais, o ex-prefeito argumentou que não era ele o ordenador das despesas e sim o então secretário municipal da Saúde, Joaquim Gomes da Silva Neto. 

Em nota divulgada nas redes sociais no último domingo (2), o deputado, que foi eleito em 2022 com 68,8 mil votos, protestou contra a decisão. Ele disse que a ordem judicial “ocorreu sem o devido cumprimento do contraditório e ampla defesa”. 

“Foi certificado o trânsito em julgado da decisão sem minha intimação. Diante do ocorrido, apresentei recurso perante o STJ requerendo a nulidade. O processo já está concluso com o ministro relator para decisão. Agradeço o apoio de todos e sigo acreditando na justiça”, concluiu.

ABUSO DE PODER

Já o caso envolvendo o deputado federal Eduardo Bismarck teve o desfecho anunciado pelo TSE no último dia 24 de maio. A Corte decidiu, por 5 a 2, tornar inelegíveis por oito anos e cassar os diplomas do parlamentar pedetista e do suplente de deputado estadual Audic Mota (MDB). A decisão, que analisou um Recurso Ordinário do Ministério Público Eleitoral (MPE), também torna inelegíveis, pelo mesmo período, o prefeito de Baturité, Herberlh Mota (Podemos), e o vice-prefeito Francisco Freitas.

O grupo é acusado de abuso do poder político e de autoridade nas eleições de 2022. Conforme a acusação, o prefeito teria usado as redes sociais da Prefeitura para exaltar a imagem dos dois parlamentares, desequilibrando a disputa. 

De acordo com o MPE, a gestão municipal teria transformado a publicidade institucional de Baturité "em um explícito sistema de marketing pessoal dos candidatos investigados". Segundo a investigação, os gestores municipais estavam cientes e teriam praticado reiteradamente condutas vedadas a agentes públicos.

No julgamento, a tese vencedora foi a defendida pelo voto divergente do ministro Alexandre de Moraes, que foi seguida pela ministra Isabel Gallotti e pelos ministros Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares e Cármen Lúcia. A tese do relator, o ministro Raul Araújo, acompanhada pelo ministro Nunes Marques, foi derrotada.

As defesas dos políticos disseram que as publicações tinham finalidade informativa e educativa, e a presença dos deputados se devia ao fato de que ambos têm bases eleitorais na região de Baturité. A defesa apontou ainda que as publicações, em outubro de 2021, foram antes do período eleitoral, em outubro de 2022. Outras postagens foram feitas em janeiro, março e maio de 2022.

Em entrevista ao Diário do Nordeste logo após a decisão da Justiça Eleitoral, o deputado Eduardo Bismarck disse que irá recorrer da decisão. 

"Para mim, é uma situação inusitada, soube há pouco. Eu estava muito confiante com o julgamento porque ganhamos aqui (no TRE-CE) de 7 a 0. A acusação se baseia em uma dezena de postagens e eu apareço em uma só, de forma 'en passant', em um carrossel onde apareço em uma cerimônia. No vídeo, o prefeito agradece a obra que mandamos dentro do período legal, não houve pedido de voto. Então, para mim, não se justifica a cassação de um mandato. Não houve abuso de poder, isso não foi o diferencial, é irrelevante, não houve diferencial nenhum. Agora é aguardar o acórdão, o que motivou o Alexandre de Moraes a abrir a divergência"

Eduardo Bismarck (PDT)

Deputado federal

Em nota enviada ao Diário do Nordeste, o suplente de deputado Audic Mota disse que confia na Justiça. “Informo que tomarei as providências judiciais cabíveis nas instâncias competentes para garantir a proteção dos meus direitos", acrescentou.

A gestão municipal de Baturité foi procurada e o prefeito Herberlh se pronunciou sobre sua condenação e a do vice-prefeito. Ele também disse que irá recorrer. "É o julgamento de um recurso, mas vamos recorrer e eu acredito na Justiça para que seja reformulada (a decisão) e a gente siga com o reestabelecimento dos mandatos do Eduardo e do Audic", concluiu.

FRAUDE À COTA DE GÊNERO

O caso que tem impacto sobre a maior quantidade de parlamentares cearenses envolve a denúncia de fraude à cota de gênero. O alvo da investigação e da condenação por parte do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) é a chapa do PL Ceará que disputou espaço no Legislativo cearense em 2022.

As ações afetam diretamente o futuro do mandato de quatro deputados estaduais eleitos, que correm risco de serem cassados: Carmelo Neto, Marta Gonçalves, Alcides Fernandes e Dra. Silvana. 

A denúncia surgiu a partir da queixa da então candidata Andréia Moura Fernandes, que declarou à Justiça Eleitoral ter sido lançada como candidata contra sua vontade. Conforme mostrou o Diário do Nordeste, o fato embasou a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) da então candidata a deputada federal, Adelita Monteiro (Psol), contra o PL. Outras ações ainda foram apresentadas à Justiça.

Em uma delas, a Procuradoria Regional Eleitoral do Ceará aponta também a candidata Marlúcia Barroso Bento como fictícia. Entre os inícios, os investigadores apontam o uso dos mesmos dados e fotografias de quando as mulheres foram candidatas a vereadora em 2020. Ambas também teriam admitido que foram candidatas sem autorizar a legenda a lançá-las.

Em outra denúncia, deputados do Psol, PT, PCdoB e PV listam seis candidaturas femininas supostamente fictícias do PL. As siglas somam aos indícios de fraude a baixa votação das candidatas e o fato de que elas fizeram campanha para um candidato do União Brasil. Na prestação de contas das postulares não constam movimentações financeiras  ou com movimentação genérica ou, ainda, movimentações artificialmente idênticas (“maquiagem” contábil).

Em 7 de novembro do ano passado, o TRE-CE concluiu o julgamento e decidiu cassar a chapa de deputados estaduais do PL Ceará, mantendo a nulidade dos votos destinados aos candidatos e, consequentemente, a perda do mandato dos parlamentares eleitos pela legenda. Como havia a possibilidade de recurso, os parlamentares foram mantidos no caso.

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Atualmente, as ações estão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sob relatoria do ministro cearense Raul Araújo Filho, mas ainda não há data de julgamento. A Corte tem sido severa sobre esses casos, confirmando decisões de outras instâncias e cassando as chapas.

Na movimentação mais recente sobre o caso, no último dia 19 de abril, a Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu um parecer pela manutenção da cassação da chapa. O vice-procurador-geral eleitoral, Alexandre Espinosa Bravo Barbosa, ainda acatou, parcialmente, o pedido de reforma da sentença para tornar inelegível o então presidente do PL Ceará, Acilon Gonçalves, prefeito de Eusébio, por conta da fraude. 

Em conversa com o Diário do Nordeste em meio ao julgamento do caso no TRE-CE, Acilon Gonçalves que era presidente do PL à época afirmou que o partido "respeitou de fato e de direito a cota de gênero". 

"Respeitamos a forma de fazer campanha de cada candidato ou candidata substituindo quando necessário. Responderemos judicialmente a cada questionamento mostrando a legalidade dos mesmos".

Acilon Gonçalves

Ex-presidente do PL Ceará

Diário do Nordeste

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