Para chegar às convenções partidárias sem o risco de ser processado, um pré-candidato deve se ater a dois mandamentos: gastar dinheiro com transparência e não pedir votos, mesmo que de maneira implícita.
Pouco abordada na lei, pré-campanha também não tem normativa pelo TSE. Essas são as orientações básicas que advogados eleitoralistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico oferecem a partidos e potenciais candidatos durante o nebuloso período que se encerra em 16 de agosto, quando tem início a campanha eleitoral.
A transparência nos gastos, sempre desejada, ganha mais relevância porque não há regras sobre como ela deve ser observada no período atual, nem balizas fixadas pelos tribunais. Então todo cuidado se torna pouco.
A pré-campanha já se encontra na reta final. A partir de sábado (20/7), os partidos e federações podem promover convenções partidárias para escolher seus candidatos, que deverão ser registrados até 15 de agosto. No dia seguinte, terá início a campanha oficial.
O momento atual é mesmo peculiar. Há apenas uma menção na lei à pré-campanha: o artigo 36-A da Lei das Eleições, ao tratar da propaganda, diz que ela não será antecipada quando houver menção à pretensa candidatura ou exaltação de qualidades pessoais.
A norma proíbe apenas pedido explícito de voto e autoriza pré-candidatos a participar de programas, encontros e debates, envolver-se em seminários ou congressos para discutir política pública e divulgar posicionamentos pessoais.
Em tese, pré-candidatos podem fazer tudo o que a lei não proíbe. O problema é que os bens protegidos pela legislação são a legitimidade e a igualdade da disputa nas eleições. E muito do que é feito na pré-campanha vai afetar diretamente o desempenho nas urnas.
Ponto cego
Esse ponto cego normativo, legislativo e jurisprudencial ficou evidente quando o Tribunal Superior Eleitoral rejeitou a cassação do senador Sergio Moro (União Brasil-PR) por abuso de poder econômico na pré-campanha.
Naquele caso, o tribunal poderia ter estabelecido critérios para avaliar os gastos de pré-campanha, mas, em vez disso, deixou claro que eles não existem. Não há sequer uma definição de quando começa a pré-campanha.
Ao votar no julgamento de Moro, o então presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, abordou a problemática ao dizer que “pré-campanha é campanha”. E não deixa de ser. Nesse sentido, a atuação da advocacia eleitoral acaba sendo de fundamental importância.
Os advogados vão trabalhar com partidos e pré-candidatos em questões formais (registro, filiação, prazos, questões de elegibilidade, processos pendentes etc.) e defendê-los de ataques de adversários, fake news, abuso dos meios de comunicação e demais condutas vedadas. Mais importante do que isso, vão fornecer orientações para tentar prevenir problemas.
Transparência máxima
Transparência no uso de recursos é uma estratégia-chave para pré-candidaturas. Roosevelt Arraes chama a atenção para o fato de que não há prestação de contas da pré-campanha e recomenda que elas sejam registradas nas contas do partido.
“Isso demonstra que os recursos da pré-campanha têm origem lícita, trazendo maior segurança de um lado e, obviamente, uma exposição do outro. Isso evita o risco de o candidato não ter essa contabilização posteriormente para compartilhar e provar que não abusou do uso de dinheiro ou que não arrecadou recursos de fontes vedadas.”
Leandro Rosa segue a mesma linha ao dizer que é preciso seguir as conformidades legais que existirem, mesmo que elas não estejam especificamente listadas para o período da pré-campanha.
“Atuar na pré-campanha exige um cuidado redobrado para navegar entre as regras rarefeitas (subjetivas) e as práticas permitidas, assegurando que todas as atividades sejam conduzidas de forma ética e legal, minimizando riscos e maximizando a eficiência da campanha.”
Uma dificuldade clara nesse período é determinar quais atividades podem ser pagas com recursos financeiros do partido e quais podem ser pagas pelos candidatos.
“O vazio e a dúvida são tão grandes que as pessoas começam, agora, a defender a delimitação de uns tais ‘números mágicos’, como se a definição de limites pudesse acontecer assim, de acordo com a vontade de um pequeno grupo episódico de pessoas, sem passar pelo processo legislativo correto de debate, votação e aprovação”, afirma Rosa.
O critério dos “números mágicos” foi rejeitado pelo TSE no caso de Sergio Moro. Nas contas do relator da matéria, ministro Floriano de Azevedo, o ex-juiz gastou na pré-campanha 17% do teto que poderia gastar na campanha. Ele e o tribunal não quiseram decidir a partir de qual percentual o gasto seria considerado abusivo.
“O que eu falo quando sou consultado é que pode fazer, mas tem de ter gastos módicos. Poucos gastos”, diz Alexandre Rollo. “Pode fazer pré-campanha. Até porque a campanha é muito curta, são 45 dias. Então é razoável que pessoas se movimentem, mas a gente não tem parâmetro nenhum em termos de gasto.”
Gustavo Guedes, que defendeu Moro no TSE, falou sobre o tema no XI Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, sediado em Curitiba, em junho. Ele chamou a atenção para o fato de que, além de não se saber o que é ou não gasto de pré-campanha, não se sabe quando ela começa.
“É fato que o tema precisa ser regulado, que você precisa entender qual é o termo de início, qual a circunscrição, o que eu somo para esse limite na pré-campanha. Há um encontro marcado com o tema. O precedente talvez tenha servido pra jogar luz sobre a situação e provocar que o Congresso regulamente esse tema. Do ponto de vista democrático, é importante que legisle e decida o parâmetro para que não fique na decisão subjetiva do Judiciário e de quem propõe ações.”
Pedido de voto
O outro ponto problemático é o veto ao pedido explícito de voto, que ainda gera controvérsia. Historicamente, o TSE só punia quem usava certas “palavras magicas” — “vote”, “apoie” ou “eleja”. Hoje, observa-se o “conjunto da obra”, o que quer que isso signifique.
Esse aspecto foi destacado pelo advogado e ex-ministro do TSE Tarcísio de Vieira Carvalho no evento em Curitiba. Para ele, nem na propaganda regular se faz pedido explicito de voto. Há, portanto, uma incoerência.
“O parágrafo 2º do artigo 36-A da Lei das Eleições é cristalino ao trazer a regra da permissão do pedido de apoio político. Qual a diferença disso para o pedido de voto?”, questionou ele.
“E, no inciso VII, há a autorização para a arrecadação prévia de recursos financeiros (por campanha de financiamento coletivo). Nisso não há também uma contradição insuperável? Arrecadar não equivale a pedir votos?”, provocou o advogado.
No mesmo evento, Tiago Ayres classificou o tema do pedido explícito de voto como uma das temáticas mais constrangedoras da atualidade. “É como se o pré-candidato tivesse ganhado um grau de eficiência de bruxaria: basta dizer ‘vote em mim’ para capturar a vontade do eleitor.”
Silêncio eloquente
Para Tarcísio Vieira de Carvalho, impressiona que o TSE, acusado de exceder sua competência ao avançar sobre diversos temas para impor sanções, adote uma postura totalmente diferente no caso da pré-campanha.
“Tem uma série de assuntos que Justiça Eleitoral analisa por suas normativas e nesse, que é talvez um dos mais sequiosos em termos de bases normativas, há um silêncio para muitos eloquente.”
A consequência, segundo Antonio Carlos de Freitas Júnior, é que os possíveis abusos cometidos na pré-campanha não se submetem a uma fórmula de avaliação, especialmente no caso das eleições municipais.
“Há municípios diferentes, estilos de campanha diferentes. O abuso de poder político não tem um sarrafo geral. Ele tem de ser perquirido no caso concreto e se, naquele momento, com aqueles candidatos, aquele comportamento foi abusivo.”
“O uso de recursos financeiros e políticos na pré-campanha é permitido. O que não é permitido é o abuso deles. A gente ajuda candidato a não passar essa linha”, resumiu Freitas Júnior.
Ainda no congresso em Curitiba, a advogada Georgia Nunes defendeu que a mensagem passada pelo legislador, ao não falar sobre a pré-campanha, é a da liberdade de expressão, principio que deveria balizar a percepção do TSE no período.
“O enfoque não deve ser dado na régua, no tamanho do adesivo, no carro de som, no cavalete tirado da rua, na restrição da propaganda. A régua deve ser dada na igualdade. Naquilo que deve ser permitido a todos.”
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.