Todo lugar em Gaza — incluindo escolas — é um alvo

O exército israelense estabeleceu um padrão para a sua campanha genocida

Palestinos observam os danos no local de um ataque israelense a uma escola que abriga pessoas deslocadas, na cidade de Gaza, 10 de agosto de 2024 (Foto: REUTERS/Mahmoud Issa)

Palestinos observam os danos no local de um ataque israelense a uma escola que abriga pessoas deslocadas, na cidade de Gaza, 10 de agosto de 2024 (Foto: REUTERS/Mahmoud Issa)

Originalmente publicado por Globetrotter em 14 de agosto de 2024

É quase como se o exército israelense estivesse tentando reunir o maior número possível de palestinos em um só lugar para depois matá-los todos. Ahmed Abed e sua família fugiram da escola Dalal al-Maghribi no início de agosto, após um ataque aéreo israelense os desalojar. Esse ataque aéreo matou 15 palestinos que haviam se refugiado lá depois que Israel bombardeou as suas casas no bairro de Ash Shujaiyeh, na cidade de Gaza. A família chegou à escola al-Taba’een, uma escola particular com uma mesquita anexa, que abrigava 2.500 pessoas. Desde que os israelenses começaram seu bombardeio mais recente a Gaza, em outubro de 2023, os palestinos têm se refugiado em escolas particulares e em escolas administradas pelas Nações Unidas (ONU). A ONU relata que, na Faixa de Gaza, os ataques israelenses danificaram 190 de suas instalações, a maioria delas escolas. Restam poucos santuários em Gaza. Essas escolas — sejam privadas ou da ONU — eram os únicos lugares vistos como relativamente seguros.

Às 4:30 da manhã de 10 de agosto, caças israelenses sobrevoaram a cidade de Gaza e lançaram bombas GBU-39 de 250 libras, fabricadas nos EUA, na escola e mesquita al-Taba’een. Naquele momento, muitos dos habitantes haviam se reunido na mesquita para a oração Fajr, ou da alvorada. As bombas atingiram as pessoas perto da mesquita, matando pelo menos 100 palestinos. É um massacre grotesco que ocorreu exatamente quando os Estados Unidos decidiram rearmar Israel com esse tipo de armamento. Sarah Leah Whitson, ex-diretora da divisão do Oriente Médio e Norte da África da Human Rights Watch, escreveu que as vendas de armas a Israel pelos Estados Unidos no dia desse bombardeio demonstraram um “condicionamento pavloviano para um exército selvagem.”

Os Estados Unidos, apesar de declarações ocasionais sobre a retenção de armas, têm consistentemente armado Israel durante essa guerra genocida. Desde 1948, os Estados Unidos forneceram 130 bilhões de dólares em armamentos para Israel. Entre 2018 e 2022, 79% de todas as armas vendidas a Israel vieram dos Estados Unidos (a segunda foi a Alemanha, que forneceu 20% das importações de armas de Israel). As vendas de armas dos EUA têm sido feitas em lotes deliberadamente pequenos, abaixo de 25 milhões de dólares por venda, para que não exijam o escrutínio do Congresso dos EUA e, portanto, o debate público. De outubro de 2023 até março, os EUA aprovaram 100 dessas pequenas vendas, totalizando mais de 1 bilhão de dólares em vendas de armas, incluindo a GBU-39. É importante saber que a bomba, criada nos Estados Unidos, provavelmente foi carregada em um caça israelense por um técnico norte-americano cedido às bases israelenses.

Um Padrão de Alvo em Escolas

Mahmoud Basal, porta-voz da unidade de defesa civil de Gaza, disse que os paramédicos que chegaram à cena na escola al-Taba’een, muitos já veteranos desse tipo de violência, ficaram perplexos com o que encontraram. “A área da escola está repleta de cadáveres e partes de corpos,” disse ele. “É muito difícil para os paramédicos identificarem um corpo inteiro. Há um braço aqui, uma perna ali. Os corpos estão despedaçados. As equipes médicas ficam impotentes diante dessa cena horrível.” Pelo menos 40.000 palestinos foram mortos pelos bombardeios israelenses desde outubro passado, e 2 milhões palestinos foram desalojados de suas casas.

Nos dias que antecederam o ataque à escola al-Taba’een, as forças israelenses intensificaram os bombardeios às escolas em Gaza que servem como abrigos. Em julho, o exército israelense atacou 17 escolas em Gaza, matando pelo menos 163 palestinos. Na semana anterior a 10 de agosto, Israel atingiu as escolas Khadija e Ahmad al-Kurd em Deir al-Balah, matando 30 palestinos (27 de julho), a escola Dalal Moghrabi em Ash Shujaiyeh, matando 15 palestinos (1º de agosto), as escolas Hamama e Huda em Sheikh Radwan, matando dezesseis palestinos (3 de agosto), as escolas Hassan Salame e Nasser em al-Nassr, matando 25 palestinos (4 de agosto), e as escolas al-Zahraa e Abdul Fattah Hamouda, matando 17 palestinos (8 de agosto).

Essa sequência de ataques a escolas ocorreu antes do bombardeio de 10 de agosto, o que mostra que há um padrão de alvo em civis que buscam abrigo em escolas. O massacre na al-Taba’een é o 21º ataque de Israel contra uma escola que servia de abrigo desde 4 de julho. Ahmed Abed perdeu seu cunhado Abdullah al-Arair no massacre na al-Taba’een. “Não há para onde ir,” disse ele. “Todo lugar em Gaza é um alvo.”

Negações Israelenses

Israel admitiu que bombardeou essas escolas, mas negou que tenha matado civis. Na verdade, Israel não chama mais esses lugares como al-Taba’een e Dalal Moghrabi de escolas; chama-os de “instalações militares.” O exército israelense disse que matou pelo menos 20 “operativos terroristas,” alegando ter atingido uma “sala de comando ‘ativa’ do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina, embutida em uma mesquita.” As autoridades israelenses divulgaram os nomes de pelo menos 19 pessoas que alegaram ser operativos sêniores do Hamas e da Jihad Islâmica.

O Monitor EuroMed de Direitos Humanos, uma organização independente com sede na Suíça, estudou as alegações feitas pelo exército israelense e as considerou factualmente insustentáveis. A equipe do Monitor foi até a escola, fez uma pesquisa com os sobreviventes e revisou o registro civil controlado por Israel para verificar os nomes. A “investigação preliminar constatou que o exército israelense usou nomes de palestinos mortos em ataques israelenses — alguns dos quais foram mortos em ataques anteriores — em sua lista.” As três pessoas mortas anteriormente, mas cujos nomes apareceram nas listas israelenses, incluem Ahmed Ihab al-Jaabari (morto em 5 de dezembro de 2023), Youssef al-Wadiyya (morto em 8 de agosto de 2024) e Montaser Daher (morto em 9 de agosto de 2024). A lista israelense também incluía três idosos civis que não têm ligação alguma com qualquer grupo militante, incluindo Abdul Aziz Misbah al-Kafarna (um diretor de escola) e Yousef Kahlout (um professor de árabe e vice-prefeito de Beit Hanoun). A lista também inclui seis civis, “alguns dos quais eram até mesmo opositores do Hamas.”

É notável que, mesmo em suas próprias declarações, as autoridades israelenses parecem incertas sobre suas alegações. O Contra-Almirante Daniel Hagari, das forças armadas israelenses, disse que “diversos indícios de inteligência” mostram que havia uma “alta probabilidade” de que Ashraf Juda, um comandante da Brigada dos Campos Centrais da Jihad Islâmica, estivesse na escola al-Taba’een. Mas os israelenses não puderam confirmar. Assim, os israelenses mataram 100 civis mesmo sem certeza de que o seu alvo estava na instalação naquele momento.

O exército israelense estabeleceu um padrão para a sua campanha genocida. Primeiro, bombardeia bairros civis, enviando pessoas aterrorizadas para abrigos como escolas e hospitais. Em seguida, anuncia ordens gerais de evacuação de uma área inteira, forçando as pessoas nesses abrigos a viverem com medo, já que muitas delas não têm os meios para deixá-los em busca de outros lugares (de fato, “Não há para onde ir,” disse Ahmed Abed). Depois de emitir essas ordens de evacuação, Israel então bombardeia os abrigos protegidos, incluindo hospitais e escolas, com o argumento de que são alvos militares. Essa fórmula foi aplicada na cidade de Gaza e em outras partes de Gaza.

Agora, Israel anunciou ordens de evacuação forçada para pessoas em Khan Younis, uma cidade no centro de Gaza. Junto a essas ordens, as forças israelenses começaram a fazer ataques aéreos e de artilharia na parte leste de Khan Younis. Veremos agora esse tipo de ataque a escolas e hospitais que são abrigos para pessoas desesperadas no centro de Gaza, com cada prédio sendo visto pelos israelenses como um alvo legítimo.

Vijay Prashad – Historiador, editor e jornalista indiano. Escritor e correspondente-chefe da Globetrotter. Editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research.

Via 247
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