O abuso de poder e as consequências para a saúde mental

Desacreditar as instituições tem como objetivo principal sair de um regime democrático regido por leis, para um regime autoritário, uma ditadura

Por Adalberto Barreto producaodiario@svm.com.br

A justiça enfraquecida aumenta abusos, desigualdades e impunidades. Foto: Katrin Bolotsova/pexels.com

abuso de poder tem consequências sérias tanto na sociedade quanto na saúde mental das pessoas. Recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou uma nova guerra: a guerra comercial. Com tarifas e restrições a produtos importados, essa guerra está gerando tensões que podem prejudicar o comércio global, afetar economias e impactar a saúde mental da população.

Trump põe fim ao ciclo de leis regidas pelo direito universal e dá início a um novo ciclo, o do poder da força individual. O que acontece se as leis são desrespeitadas? Quando as leis são desrespeitadas, as relações comerciais e sociais ficam prejudicadas. As leis existem para proteger os direitos de todos em uma sociedade diversa. As leis são como um esqueleto que sustenta os músculos e tecidos que constituem o corpo humano. Sem leis de trânsito, por exemplo, o caos nas ruas causaria acidentes e engarrafamentos, impedindo que todos alcançassem seus destinos.

No futebol, se não houvesse regras e juízes, o esporte se tornaria um cenário de violência, perdendo sua essência de diversão.  Sem a lei “do colarinho branco”, que visa punir crimes como fraudes, corrupção e lavagem de dinheiro cometidos por políticos, teremos quadrilhas poderosas no Congresso Nacional propondo leis que as beneficiariam. É de responsabilidade da justiça processar, punir, prender e torná-los inelegíveis.

A violação das leis que garantem a paz não apenas destrói a ordem social, mas também corrói a saúde mental individual e coletiva.

Ela é o fiel da balança entre abuso do poder e proteção da sociedade. Os que perderam a última eleição tentaram dar um golpe e impedir a transição do poder. Houve uma violência presenciada por todos nós ao vivo e que causou indignação em toda a nação. Houve uma grave violação à democracia e a justiça agiu de acordo com a lei. Quem comete um delito deve ser punido. Sem leis que punam aqueles que as desrespeitam, a impunidade torna-se um incentivo para aqueles que tentam usar a violência, roubar, assassinar, perturbar a ordem social.

Quem rouba deve ser punido, quem depreda bens públicos deve ser punido. Seja ela uma velhinha com uma Bíblia na mão e ódio no coração, ou uma pessoa que mora em uma mansão. Anistiar quem faz crime é um desserviço à nação. Sem a aplicação das leis, o Brasil seria destruído e a convivência humana seria impossível. Em diversos lugares do mundo, particularmente no Brasil, testemunhamos um ataque recorrente às decisões judiciais e ao STF, instituição que executa as leis que asseguram a ordem e a governabilidade do nosso país.

Tem-se usado fake News para criar mentiras sobre o Judiciário a fim de evitar punições por práticas ilegais (como sonegação, tentativa de golpe, lavagem de dinheiro ou questionar a legalidade das urnas eletrônicas). O objetivo é claro: desacreditar estas instituições defensoras do estado de direito, induzir o cidadão a erro na escolha de seus governantes e enfraquecer a democracia. Quando instituições como o STF são atacadas, todos os cidadãos perdem. Imagine um campeonato de futebol sem árbitro, olimpíadas sem controle de doping!

Um exército sem a autoridade de um general! Sem um Judiciário competente e respeitado, empresas e grupos poderosos agiriam de forma incontrolável, prejudicando o meio ambiente e a população. A democracia é um sistema de governo no qual o poder é exercido pelo povo, por meio de eleições livres e justas. Os cidadãos têm o direito de participar das decisões políticas, expressar as suas opiniões, eleger representantes e aceitar o governo da maioria. 

Ora, desacreditar as instituições tem como objetivo principal sair de um regime democrático regido por leis, para um regime autoritário, uma ditadura, onde a força e o poder do dinheiro e das armas prevalecem sobre as leis e o bem-estar geral. Os interesses de minorias com poder econômico capaz de desrespeitar essas leis fundamentais de uma vida em sociedade prevalecem. A justiça enfraquecida aumenta abusos, desigualdades e impunidades.

É vital proteger instituições como o STF, que defendem direitos de todos, especialmente das populações mais vulneráveis, como a demarcação das terras dos nossos povos originários. As leis e a justiça fortalecem a paz.Desrespeitar as leis e atacar a justiça é como cavar um buraco no próprio chão: todos caem. A força e as armas destroem, a lei constrói e protege. Um país forte não é aquele onde alguns mandam pela violência, mas onde todos seguem regras justas e aceitas pelas instituições democráticas. 

O uso da força gera caos.  Usar a força em detrimento da lei é perigoso tanto na administração de um país quanto na educação dos filhos. Os filhos educados na base do chicote, quando o chicote muda de mãos, eles fazem o que aprenderam.  Obedecer àquele que tem o chicote nas mãos. Educar é transmitir princípios e ter coerência entre o que se diz e o que se faz. Aprender a ter senso crítico, a diferenciar a verdade da mentira. Consequências Psicológicas.

A nova política imposta pelo presidente americano não só atingiu apenas a economia, mas também teve consequências psicológicas profundas em diversos níveis: individualmente: O abuso de poder causa trauma psicológico nas vítimas e na sociedade, afetando a saúde mental da população. O impacto mais significativo foi causado aos imigrantes que residiam nos Estados Unidos.

O medo e a ansiedade tomaram conta de milhares de residências, causando a perseguição, a expulsão de moradores e a necessidade de abandonar empregos, filhos, esposas e bens, resultando em transtornos de ansiedade, depressão e síndrome do pânico.  Expatriar como criminosos perigosos, acorrentadas e expostas ao mundo causa traumas profundos, marcados por um sentimento de desamparo, culpa e vergonha, levando à apatia e à resignação. 

A falta de confiança nas instituições e na justiça mina a sensação de segurança, gerando desesperança e cinismo. Em termos coletivos, a violação sistemática de leis que mantêm a paz prejudica a coesão social, destrói alianças construídas há anos entre as nações e gera desconfiança generalizada entre os cidadãos e autoridades.

Grupos podem se polarizar, com alguns apoiando o abuso de poder (por medo ou interesse) e outros resistindo, aumentando conflitos internos. Se a ilegalidade se tornar frequente, a sociedade pode aceitar a violência como “normal”, reduzindo a empatia e perpetuando ciclos de violência.  Comunidades inteiras podem apresentar sintomas de trauma compartilhado, como hipervigilância, luto coletivo ou memórias traumáticas transmitidas entre gerações. Os jovens podem perder a fé na democracia e na mudança social, adotando atitudes alienantes ou radicalizadas.

Em alguns casos, o abuso do poder pode encorajar movimentos de resistência, mas também pode causar violência indiscriminada. Seria o retorno à lei da selva. O maior devora o menor, enquanto o mais forte impõe terror aos mais vulneráveis.  Pode também provocar mudanças culturais onde as regras sociais podem se distorcer (ex.: aceitação da corrupção, de mortes por balas perdidas), afetando a identidade coletiva e a ética pública.

Em Hong Kong, a repressão aos protestos pró-democracia (2019–2020) gerou ansiedade generalizada e êxodo de jovens, refletindo a “geração desengajada”. A expressão “geração desengajada” se refere a um grupo de jovens que demonstram apatia ou desinteresse por questões sociais, políticas e cívicas. Esse desengajamento ocorre por conta da desilusão com instituições, da falta de representação ou da crença de que suas ações não podem causar mudanças significativas. 

Na Ucrânia sob a invasão russa: A violação do direito internacional gerou trauma individual, mas uma “resistência cultural” que fortaleceu a identidade nacional. Para garantir um futuro mais justo e seguro, é fundamental fortalecer as instituições de justiça. Isso implica assegurar que elas atuem de forma transparente e imparcial, protegendo os direitos de todos, em especial os mais vulneráveis. 

Quando as instituições funcionam adequadamente, elas aumentam a confiança da população e ajudam a prevenir abusos de poder. Informar as gerações futuras sobre a importância das leis e dos direitos humanos é vital. As escolas devem promover a participação cidadã, ensinando os jovens a reconhecer a importância de um sistema judicial justo e defender a democracia. A conscientização sobre as consequências do desrespeito às leis pode criar cidadãos mais engajados e críticos.

É igualmente importante combater a desinformação que circula nas redes sociais e em outros meios de comunicação. Fake news podem minar a confiança nas instituições e criar divisões na sociedade. A promoção da alfabetização midiática e o incentivo à verificação de dados são passos cruciais para assegurar a democracia. Cada cidadão tem um papel a cumprir. Isso significa votar de forma consciente, participar de debates públicos e cobrar transparência dos governantes. Quando os cidadãos se unem para defender seus direitos e os direitos dos outros, isso fortalece a democracia e promove uma sociedade mais justa. A violação das leis que garantem a paz não apenas destrói a ordem social, mas também corrói a saúde mental individual e coletiva.

Combater esses abusos exige não somente reformas institucionais e estimular a confiança na justiça, mas também apoio psicossocial às vítimas e reconstrução de territórios de cuidado e de esperança em todo o país. A resiliência psicológica de uma sociedade depende diretamente da sua capacidade de proteger seus valores fundamentais. O abuso de poder é uma “patologia social” com consequências psicossociais em grande escala.

Médico psiquiatra, fundador e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria Social, e professor Emeritus da Faculdade de Medicina da UFC. Foi o criador e continua atuando e coordenando o Projeto de Extensão da UFC “4 Varas: uma comunidade que cuida”. Textos sobre etno-psiquiatria, que tenta compreender os fenômenos e comportamentos pela articulação da ciência com a cultura. 

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor. 

Diário do Nordeste

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